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    O Animal Cordial
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Animal Cordial

    Caos e clausura, sangue e sonho

    por Rodrigo Torres

    Em entrevista recente ao AdoroCinema, a equipe de Divórcio atribuiu o sucesso do longa-metragem à sua elaboração cuidadosa nas diferentes fases de produção, à associação de vários gêneros (se furtando a ser uma comédia simplória que apenas reúne piadas) e a um anseio primordial em fazer cinema de fato, pensado para a tela grande. Três semanas se passaram e Murilo BenícioCamila Morgado estão de volta em mais um projeto exemplar em seu segmento no cinema nacional: O Animal Cordial, que soma os aspectos citados de seu equivalente cômico à verdadeira façanha de se realizar um bom filme de gênero no Brasil.

    Dotado de uma ideia de cinema parecida com a de LG Tubaldini Jr. e um dos maiores produtores do país na atualidade, Rodrigo Teixeira (A Bruxa, Me Chame Pelo Seu Nome) é o homem a serviço de um trabalho imersivo feito especialmente para a sala escura. O Animal Cordial, o filme que cumpre a missão com honras desde seu argumento potente: diante de mais um ataque de ladrões ao restaurante em que trabalha, o pacato porém aborrecido gerente de um restaurante tomará uma ação drástica que encerrará oito personagens em conflito dentro do estabelecimento durante toda a trama.

    Gabriela Amaral Almeida é a coautora do high-concept e grande responsável por incrementar premissa tão simples, típica e eficiente em um thriller. Primeiro estabelecendo o espaço, compondo belos planos de conjunto para apresentar um cenário marcado por cores mortas (entre o cinza, um verde musgo e outros tons sem saturação, somente o vermelho sobressai). Depois que a invasão acontece, a diretora e roteirista cola a câmera em objetos e rostos, abusando dos big close-ups para evocar visualmente o enclausuramento e a tensão dos personagens.

    Nesse sentido, é curioso perceber como a composição dramática do restaurante é ilustrativa sobre a reunião de pessoas tão distintas e hostis umas às outras. A sofisticação decadente do estabelecimento comunica rapidamente a frustração profissional do gerente Inácio — um homem preconceituoso que tem de aturar a trans Djair (Irandhir Santos) como chef de seu restaurante (última opção?); condições de trabalho que justificam a insatisfação dos funcionários; uma localização na periferia que propicia a incidência de bandidos; e uma clientela composta por emergentes cafonas, arrogantes, e um aposentado depressivo. Assim, uma miríade social e de insatisfações em plena sinergia com o ambiente, de agonizante a claustrofóbico.

    Quando a violência explode, Gabriela Amaral se diverte tanto com pitadas de humor (a própria imagem acima é uma gag visual sutil), como ao abraçar as convenções do gênero: o gore, trilha sonora acintosa, monólogo bizarro e até espelho quebrado pra se encarar um personagem perturbado. A referência a Jogos Mortais e seu cativeiro mais clássico é clara e a influência sangrenta de Quentin Tarantino se acentua em tentativas (frustradas) de imprimir diálogos mais corriqueiros — o que acontece justo em um momento de queda do filme. Do meio pro fim, algumas resoluções se tornam banais (sem soar como boa ironia) e a piração dos envolvidos é radicalizada a uma selvageria burlesca. É mais bacana quando uma cena de sexo grotesca reflete um estado mental, não um processo de involução literal percebido por outros como algo estranho. A imagem vira gratuita, perde a força.

    Se por um lado o elenco se mantém interessante mesmo durante essa breve oscilação narrativa (pela excelência e pela entrega, com destaque para Murilo, Camila, Irandhir e Luciana Paes), Gabriela Amaral Almeida prepara um desfecho maravilhoso para sua estreia na direção de longa-metragem. Diante da única resolução possível, ou a ambição de tentar algo incrível (e implausível), a cineasta opta pelo onirismo e um final aberto. Repare na personagem inconsciente, em seu despertar confuso, na arma branca sem sangue, e se entregue à sublime sequência que materializa um sonho: esquartejar o crush violento ao som de uma canção de amor.

    Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.

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    Comentários

    • Heros Henrique
      Pelo visto seu problema não é com o roteiro do filme, você ainda não entende o que é uma mente psicótica.
    • Mateus Vanita
      É incrível a construção da insanidade dos personagens; como eles vão se transformando em animais ao se entregarem aos instintos e vontades. Ótimo filme, mas não é para qualquer um.
    • magoo73
      pessimo filme em todos os sentidos . sem logica depois enculacham o cine nacional nao sabem por que . faço minhas as palavras do colega abaixo
    • Bornstein
      Achei o filme uma bomba! É pretensioso, cheio de cenas de efeito e de impacto. Atrás não tem nada. É o vazio completo. O vazio dos personagens é o mesmo vazio do roteiro e da direção. Não tem plano, não tem pé, não tem cabeça. É violência pela violência, é o glamour da violência. O Inácio, o dono do restaurante, não tem plano nenhum para o seu futuro, depois do assassinato sucessivo dos clientes e dos delinquentes. Ele não quer chamar a polícia para não estragar a reputação do restaurante. Mas mata todo mundo. Depois disto como é que vai ficar a reputação? Alguém consegue acreditar em tal disparate? A construção do personagem Sara, cúmplice do Inácio, é um total caos. Ora ela é um animal, comendo uma coxa de frango acocorada em um canto, ora ela é puxa-saco, ora é sensual, ora é assassina, marginal. Ora ama o Inácio, ora o mata. Amor e òdio. Ou seja, é tudo. Ou nada, é a mesma coisa. É louca. Todo mundo louco, todo mundo um caos, todo mundo sem plano, sem pé e sem cabeça. Aí fica muito fácil fazer cinema. Ou será que é o sinal dos tempos?
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