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    Os Belos Dias de Aranjuez
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Os Belos Dias de Aranjuez

    O invisível em 3D

    por Bruno Carmelo

    Há anos o diretor alemão Wim Wenders tem demonstrado interesse pela tecnologia 3D. Sem vocação para filmar cenas fantásticas de super-heróis salvando o planeta, ele leva a estereoscopia ao drama fora dos circuitos comerciais. O cineasta experimentou o 3D no documentário Pina e depois na ficção Tudo Vai Ficar Bem, onde a terceira dimensão servia para destacar os personagens dos cenários, ressaltar a queda da neve e os reflexos nas janelas.

    Tudo Vai Ficar Bem fracassou por limitar a terceira dimensão a um efeito de profundidade de campo, um acessório dispensável – um gadget. Felizmente, após este filme, Wenders parece ter percebido que não teria sentido conceber um projeto tão atípico sem refletir sobre a própria excepcionalidade da premissa e a natureza do cinema. No caso de Os Belos Dias de Aranjuez, situado num cenário único e movido por diálogos incessantes de dois personagens, o 3D e a linguagem cinematográfica tornam-se temas centrais.

    Chega-se então ao paradoxo da estereoscopia: a ferramenta criada para a máxima imersão é combinada com diálogos inacessíveis que expulsam o espectador do projeto. Somos simultaneamente convidados a participar da interação entre um homem e uma mulher anônimos (Reda Kateb e Sophie Semin) e excluídos desse debate: temos a dupla conversando num cenário realista, mas sabemos que constituem frutos da imaginação de um escritor (Jens Harzer); escutamos sons que ora provêm de um jukebox distante, ora são cantados diretamente em cena; presenciamos uma discussão que às vezes parece espontânea, às vezes soa encenada, enquadrada por regras predeterminadas pelos personagens (“Combinamos que não é possível limitar a resposta a um ‘sim’”, argumenta o homem).

    Os Belos Dias de Aranjuez torna-se um estudo sobre a sua capacidade de representação das imagens. Os personagens falam o tempo inteiro sobre imagens que não existem, e nem poderiam existir, como a sensação de um raio de sol banhando o corpo, a tristeza do fim de um relacionamento, a decepção diante de um castelo encontrado um dia em Aranjuez, na Espanha. Ao invés de retratar os sentimentos de maneira referencial e óbvia – mostrando, por exemplo, o raio de sol e o castelo espanhol – Wenders assume uma narrativa movida por imagens mentais. Os personagens narram seus amores e seus conflitos existenciais mais profundos enquanto vemos o mesmo jardim, as mesmas plantas, e escutamos o mesmo vento. É possível uma única imagem representar objetos diferentes?

    O resultado é uma mistura instigante entre cinema, literatura, teatro e música. O texto, adaptado de uma peça teatral, é explorado com recursos impossíveis de se obter no palco (a câmera giratória, a profundidade do 3D), enquanto os diálogos buscam a artificialidade poética dos livros românticos, e a música torna-se personagem autônoma ao ser explorada em canções inteiras; ora diegéticas, ora extradiegéticas; ora cantadas pelos personagens fictícios, ora por Nick Cave, presente em cena. Existem muitas camadas de representação embutidas numa narrativa simplíssima, com enquadramentos semelhantes e ritmo voluntariamente monótono.

    Com este projeto radical, de aspecto filosófico e vanguardista, Wim Wenders explora os limites do cinema na época que a indústria aposta no conforto das refilmagens e sequências, nas diversões pouco questionadoras. O filme comprova que os prazeres da função espectatorial ativa – solicitando a atenção, a conjunção de ideias, a análise de metáforas – podem ser muito mais profundos do que o escapismo fugaz dos efeitos especiais e universos desconectados do nosso.

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