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    Encantados
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Encantados

    Lendas e mistérios da Ilha do Marajó

    por Taiani Mendes

    Passados quase dez anos de seu último lançamento, a veterana diretora Tizuka Yamasaki está de volta com Encantados, inspirado na vida da pajé Zeneida Lima. Vivida por uma ainda pequena Carolina Oliveira (as filmagens ocorreram em 2009), ela é retratada na transição da infância para a adolescência, durante o conturbado período de afirmação de suas habilidades especiais ligadas à natureza. Roteirizado por Victor Navas (Cazuza – O Tempo Não Para, Carandiru), o filme é um coming of age com pegada bastante regional e apoio num proibido romance juvenil.

    Recém-chegada à Fazenda Independência contra a vontade, por imposição do austero pai influente (José Mayer), a menina dedica os dias a interagir com a natureza e nas águas conhece Antônio (Thiago Martins), por quem rapidamente cai de amores. Não entrarei nos meandros para não dar spoiler, mas a relação revela enormes complexidades e abala todos que estão ao redor. A protagonista, é claro, é a mais afetada pela conexão e, honrando o nome de sua hospedagem, luta para dar o preso grito de independência da violência do pai, da insegurança da mãe (Letícia Sabatella), do zelo da criada Cotinha (Dira Paes) e do desejo do capanga Fortunato (Anderson Muller).

    O amadurecimento da personagem passa pelo esclarecimento de sua ligação com a floresta e o entendimento das visões que a dão fama de louca, e assim entra-se no campo mais fantástico e místico da trama: a explicação do que são os tais caruanas (ou encantados), Anhanga, a pajelança e a predestinação. É um enorme desafio superar o rótulo da crendice – que inclusive é usado no filme pela mãe de Zeneida –, principalmente levando em consideração o fato de que “o Brasil não conhece o Brasil” e tudo mostrado é bem pouco comentado fora do Pará. Tizuka, porém, consegue oferecer uma espécie de iniciação aos espectadores e, ainda que seja praticamente impossível absorver todas as informações e entender com exatidão todos os termos e entidades, o fundamental é transmitido, o processo transformador da protagonista através da imensurável força da natureza.

    História interessante e ensinamento importante, no entanto, por si só não fazem cinema de qualidade e Encantados é prejudicado em especial pela montagem truncada e nada sutil, que destrói o ritmo da trama. Há como que um enorme compasso de espera e todos os acontecimentos marcantes vêm numa avalanche sem tempo de respiro. Causa estranhamento também que a opção seja pela narrativa da vida de Zeneida por ponto de vista indefinido e que a personagem desapareça dos olhos do público justamente quando seria mais bacana acompanhá-la do que os repetitivos gritos de desespero à sua procura.

    Carolina tem bom desempenho compondo Zeneida como uma feminista inflamada pela típica revolta do adolescer e incomodada com a falta de compreensão. Muito justos, sua raiva e seus gritos não fazem dela chata e a expressão da então menina tem o calor do primeiro amor na presença de Antônio. Pena que ele é interpretado pelo limitado Thiago Martins, cuja melhor habilidade é emergir de diferentes maneiras sem perder o lenço na cabeça.

    Experiente em sucessos infantojuvenis como O Noviço RebeldeLua de Cristal e diversos outros longas estrelados por Xuxa, Tizuka segue um estilo simplista que não teme cair nos clichês ou obviedades para ajudar o entendimento, o que pode ser exemplificado pelos dispensáveis flashbacks, a comparação da união do casal com a pororoca, os vários ângulos numa breve cena de violência e o foco na revoada dos pássaros num momento de alegria.

    Considerando os vários anos que o projeto passou em finalização, é engraçado como uma sequência imediatamente faz lembrar Star Wars - Os Últimos Jedi e Zeneida não deixa de ser uma espécie de Rey (Daisy Ridley), duas jovens confrontadas com sérias missões de vida, meninas desafiadoras, corajosas e donas de si que têm o futuro definido antes mesmo do nascimento e uma enorme potência para ajudar muitas pessoas. Para que galáxia distante quando há a mata fechada tão próxima e seus inúmeros segredos e mistérios? Coisas nossas. As deficiências técnicas de Encantados não diminuem a carga de sua realidade e Zeneida de fato é a grande força de seu filme. Acreditando ou não, conheça.

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    Comentários

    • Delfim Ribeiro
      É um filme que extrapola o conceito de cinema. Apenas mostra uma outra verdade, que muitas vezes num país amplamente cristão é tido como algo menor e sem importância. Valeu o registro por ser uma história verídica, afinal, a protagonista é real e recebe pessoas de todos os lugares, que procuram a seu conhecimento místico.
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