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    Muitos Homens Num Só
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Muitos Homens Num Só

    Ladrão de antigamente

    por Francisco Russo

    A banalização da violência nos dias atuais, com suas mortes e vandalismos a todo instante, fez com que sumisse do mapa (e do cinema brasileiro) a figura do ladrão com classe, aquele que aplica seus golpes contando principalmente com a malandragem e a lábia. Coube à diretora Mini Kerti, estreante em longas de ficção, resgatar este personagem no Rio de Janeiro do início do século XX, mais exatamente através do livro “Memórias de um Rato de Hotel”, de João do Rio. É nele que encontramos o Dr. Antônio, figura mítica do crime cujo rosto ninguém sabe mas as façanhas são bem conhecidas, não apenas pelo que é roubado mas também por não usar qualquer tipo de arma de fogo.

    Para construir este personagem, a diretora acertou na mosca ao apostar na caracterização minuciosa da época retratada. Há um apuro técnico que chama a atenção, poucas vezes vista em filmes de época no cinema brasileiro, no sentido de replicar de forma convincente detalhes do figurino, direção de arte e cenários. Neste último item, Muitos Homens Num Só explora bastante o lado antigo do atual Rio de Janeiro, com casas e mansões suntuosas que constroem uma ambientação que, no fim das contas, torna-se personagem tão importante quanto o próprio Dr. Antônio. Afinal, para compreendê-lo é preciso também saber qual era o contexto que propiciou sua existência.

    Outro acerto do longa-metragem é o elenco. Vladimir Brichta investe em um personagem enigmático, sem exageros e ao mesmo tempo sedutor. Seu lado galã encaixa como uma luva às necessidades do personagem, que ainda lhe oferece a chance de exercitar a atuação através do olhar triste e reflexivo. É por ele que a personagem de Alice Braga sente-se atraída, aos poucos despertando as dúvidas inevitáveis em torno de uma mulher intelectualizada que, devido aos preconceitos da época, é obrigada a se satisfazer com o papel de esposa e parideira. Alice se destaca especialmente na reta final do longa-metragem, quando sua aflição vem à tona. Além do casal protagonista, o filme também oferece uma breve participação do sempre talentoso César Troncoso.

    No fim das contas, Muitos Homens Num Só é um filme de história até simples que se destaca principalmente pelo modo como é contado. O cuidado na recriação de época permite ao espectador mergulhar neste universo tão longínquo e, aos poucos, compreender uma lógica de sociedade que até existe nos dias atuais, mas com bem menos elegância. É ela, e seu modo de ver a vida, que fazem de Dr. Antônio o anti-herói tipicamente brasileiro, lidando com as desigualdades sociais para alcançar seus objetivos. Destaque também para as boas sacadas do roteiro, repleto de frases espirituosas, e a trilha sonora de Dado Villa-Lobos, que instiga o suspense sempre que necessário. Um filme que merece ser descoberto, já que não terá a mesma campanha de divulgação dos blockbusters nacionais – leia-se as comédias.

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