Minha conta
    Ex_Machina: Instinto Artificial
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Ex_Machina: Instinto Artificial

    Regra de três

    por Bruno Carmelo

    Uma ficção científica passada nos tempos de hoje. Não estamos no espaço, as cores não são azuladas, não se defende o patriotismo ou a honra americanos. Não existem monstros. Aliás, não existem mocinhos nem vilões: são apenas três personagens principais em cena, durante quase duas horas. Esta premissa é suficiente para chamar atenção a Ex_Machina: Instinto Artificial, mas o interesse do projeto vai além, tanto pela complexidade dos temas quanto pela beleza das imagens.

    Na trama, o excêntrico dono de uma empresa de tecnologia (Oscar Isaac) organiza um concurso, selecionando um empregado brilhante (Domhnall Gleeson) para testar seu novo experimento: uma robô de feições femininas (Alicia Vikander) cuja inteligência artificial poderia se confundir com sentimentos humanos. Estabelece-se entre eles uma espécie de partida de xadrez a três, com jogadores de altíssimo nível, munidos por interesses diferentes: o patrão quer se provar superior ao empregado, que pretende impressionar o chefe e encontrar a falha da robô. Enquanto isso, ela está determinada a usar suas capacidades para driblar os humanos. O elenco encontra-se à altura do desafio: Gleeson, Isaac e Vikander estão excelentes na transformação progressiva de seus personagens.

    Através do trio central, o roteiro questiona o embate entre ricos e pobres, entre patrões e empregados, entre homens e mulheres, entre humanos e máquinas, entre pupilos e mentores. Ao mesmo tempo, são personagens multifacetados que demoram a revelar suas reais intenções. O suspense crescente de Ex_Machina baseia-se na riqueza de suas ambiguidades: o trio não sabe exatamente em quem confiar, e o espectador encontra-se diante do mesmo impasse. As sugestões fornecidas ao espectador são ricas por seu grau de perversidade, já que o público é convidado a imaginar atrocidades muito piores do que aquelas presentes em tela. Somos, de certo modo, parte do experimento científico.

    Na época de tecnologia avançada e crise contemporânea do indivíduo, o jogo do poder passa inegavelmente pela sedução. Não é por acaso que o mentor, o aprendiz e a robô são seres solitários, presos numa casa isolada sem possibilidade de fuga. A dupla sedução dos homens com a robô e o crescente teor homoerótico entre os dois competidores fazem parte ao mesmo tempo de uma estratégia racional e de uma busca inconsciente por afeto e reconhecimento. Aos poucos, a história passa a tratá-los como ratos em um gigantesco e luxuoso laboratório.

    Os cenários e a iluminação, aliás, constituem uma atração à parte: partindo de conceitos simples e orçamento de US$15 milhões – quantia limitada para os padrões hollywoodianos -, a equipe técnica faz um trabalho admirável com a casa-laboratório, onde pequenas mudanças de iluminação criam espaços distintos e portas semitransparentes dão conta de sugerir mais do que mostrar. Poucos diretores sabem explorar os espaços tão bem quanto Alex Garland faz com uma série de cômodos simples, superfícies espelhadas e corredores intermináveis.

    As imagens de Ex_Machina: Instinto Artificial são de uma inteligência ímpar. Além de agradarem aos olhos, elas fornecem uma reflexão importante sobre o ato de ver e ser visto, sobre o voyeurismo e os conflitos inerentes à natureza da representação. O filme torna-se uma ferramenta metalinguística, questionando o próprio cinema. Mas os espectadores não precisariam refletir sobre todos esses temas para se envolver com a fábula. Por seu suspense lento, mas incansável, e pela riqueza dos diálogos e embates, Ex_Machina cativa do início ao fim – especialmente na conclusão, com uma cena de tirar o fôlego.

    O jovem diretor Alex Garland faz uma estreia cinematográfica magistral, prova de que não são necessários explosões, efeitos especiais e mundos fantásticos para estimular uma reflexão sobre a natureza humana diante da tecnologia. Este é, certamente, um dos melhores filmes de 2015 que, por alguma aberração do mercado cinematográfico brasileiro, foi lançado diretamente em DVD.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    • Ademir Dias
      Frankenstein, Séc XXI....
    • Dyecks Rocha
      O filme é EXCEPCIONAL! Sem dúvidas merece a nota máxima! Os diálogos são muito bons! Os personagens muito bem desenvolvidos, com personalidades bem excêntricas, únicos. E o melhor do filme são os levantamentos trazidos, que são extremamente pertinentes para a era que vivemos:• O que define vida? É necessário ter DNA, ser capaz de se autorreplicar, de sofrer mutações e evoluir? Ou um ser inorgânico com consciência também é vida?• E o que define consciência?• É ético e/ou devemos permitir o uso de nossos dados por gigantes de tecnologia?• Humanos são apenas máquinas com código escrito no DNA?• IAs são uma evolução inevitável da humanidade?
    Back to Top