Ficção científica estrelada por Jared Leto deixa de problematizar inteligências artificiais na tentativa de resgatar o que nos faz seres humanos
por Diego Souza CarlosExistem tantas franquias retornando aos holofotes, seja com sequências, reboots, revivals ou remakes, que poderíamos facilmente descrever a época atual como uma grande rede de resgates de pesca. Quando a trama fortificada sai da água, alguns peixes se debatem pela falta de ar (ou inspiração), enquanto outros se apresentam como surpreendentes tubarões.
Filmes como It - A Coisa, Sexta-Feira Mais Louca Ainda, Gato de Botas 2: O Último Pedido, Coringa: Delírio a Dois, Thor: Amor e Trovão e Star Wars: A Ascensão Skywalker se dividem entre os dois grupos mencionados, seleção que acaba de receber uma nova história, Tron: Ares.
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Seguindo o hiato habitual da franquia, do lançamento de um novo capítulo cerca de 20 anos após o anterior, o terceiro ato desta aventura de ficção científica chega aos cinemas de todo o mundo com Jared Leto assumindo a posição de protagonista. O longa segue o Programa altamente sofisticado que é enviado do mundo digital para o mundo real em uma missão perigosa, marcando o primeiro encontro da humanidade com seres de Inteligência Artificial.
Sob direção de Joachim Rønning, de Malévola: Dona do Mal, o elenco é completo por Greta Lee, Evan Peters, Hasan Minhaj, Jodie Turner-Smith, Arturo Castro, Cameron Monaghan, Gillian Anderson e Jeff Bridges.
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É difícil dissociar a imagem criada pela franquia oitentista dos aspectos futuristas que sempre ousou abordar. Enquanto o GRID, ambiente digital, do primeiro filme já apresentava aspectos que viriam a se tornar reais nas décadas seguintes, O Legado utiliza as ideias já estabelecidas de um mundo globalizado de maneira convencional e metafórica, com uma trilha sonora que, com certeza, elevou a história.
A chegada da terceira parte desta aventura virtual mergulha em um dos fatores contemporâneos mais efervescentes da atualidade: a presença constante das inteligências artificiais no cotidiano humano. Tendo o protagonista como uma personificação de uma IA militar, tratava-se da oportunidade de brincar com as múltiplas possibilidades, das maravilhas aos perigos, desta ferramenta tão utilizada. No entanto, ao mirar no presente e não no futuro, Tron: Ares opta por estabelecer analogias filosóficas batidas - mesmo que eficazes - sobre o que nos torna seres humanos.
Em entrevista ao AdoroCinema, isso até se justificou em certo ponto, visto que a produção do longa experienciou um vai e vem contínuo até entrar nos trilhos. Com filmagem, roteiro e pós-edição feitas essencialmente nos últimos 3 anos, perdeu-se o timing diante do boom das IAs em todo o mundo. Isso faz o filme ser alvo do próprio tempo, mas também demonstra o quanto a falta de idealizações futuristas minou um dos aspectos mais interessantes da saga.
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Inspirado no Deus da Guerra da mitologia grega, Ares é um general eficaz sob as ordens de seu mestre, aqui encarnado por Evan Peters como o bilionário Julian Dillinger, herdeiro de um clã conhecido da franquia. Ele pretende vender o sonho de tornar físico algo que é visto apenas no ambiente digital - e tem sucesso em um período específico de tempo -, algo que dá ao herói os seus primeiros insights sobre o mundo real. A chuva, aspecto natural às vezes tão banalizado no dia-a-dia, transforma-se na quebra do sintético para o orgânico na mente artificial do herói.
Apesar de ser feito para fins militares, algo que poderia ter implicações reais em um mundo tomado por guerras, a presença de ricaços em uma reunião secreta serve apenas para introduzir o personagem ao mundo real. Nenhuma ambição se sobrepõe à narrativa além da ideia de permanência dessa tecnologia por tempo superior a pouco menos de 30 minutos, guiada pelo antagonista histérico e sua mãe controladora vivida por Gillian Anderson. A atriz convence no papel, mas fica presa na caricatura desta família disfuncional que apenas busca poder pelo poder.
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Vinda de um dos melhores filmes da década, o indicado ao Oscar Vidas Passadas, Greta Lee fica responsável por ser uma extensão viável e convincente do que representa a humanidade. A relação dela com a irmã falecida dá a Ares as primeiras demonstrações sobre empatia, compaixão, vida e morte. Sendo um programa virtual que ganha um corpo temporário, ele deseja permanência e em poucos minutos, estabelece-se uma sequência que mescla ficção científica com típicos elementos estruturais do cinema dos anos 2000.
Tron: Ares oferece coreografias interessantes nas lutas corpo a corpo, bem como adiciona picos de adrenalina ao som de Nine Inch Nails, banda responsável por assinar a trilha sonora da sequência. Embora ainda esteja bem distante do trabalho do Daft Punk, o grupo consegue manifestar muito bem a atmosfera da franquia ao longo do filme - e isso, é tão bom quanto ruim: pois mascara cenas menos interessantes ao adicionar um tom épico ao fundo.
As perseguições de moto, com as novas versões da light cycle vermelhas, ganham um toque especial de adrenalina quando deixam um rastro físico de energia, um feixe de luz sólido que pode ganhar diferentes formas e proporções a partir dos veículos. Parte da própria franquia, o uso dos recursos é interessante à primeira vista, mas logo perde um pouco do brilho ao não serem usados, sempre, com maneiras mais criativas - com exceção de alguns trechos da sequência final.
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Ao chegar ao fim do filme, pelo menos em termos técnicos, entende-se que há grandes oportunidades perdidas - ainda mais quando um outro filme da Disney, no caso da Marvel Studios, tentou brincar com a simbiose entre estética e narrativa. Goste ou não do resultado, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos apela por um aspecto retrofuturista interessante.
O filme da própria casa poderia ao menos ser uma fonte de inspiração para Jeff Cronenweth, diretor de fotografia que coleciona experiências o suficiente para trazer certo frescor ao visual de Ares. Trabalhou com Garota Exemplar, Millenium, Clube da Luta e A Rede Social, peças cinematográficas com uma identidade estética marcante, algo que não se aplica aqui.
Enquanto o primeiro Tron apresentou um estilo experimental e abstrato, com a mistura de animação computadorizada com rotoscopia, o segundo abraça toda a vibração do neon, com o típico aspecto hi-tech da época. Aqui, temos homenagens, boas execuções de efeitos especiais, mas nada inovador. Sabemos que o aspecto artificial é parte intrínseca da franquia, mas o excesso e a falta de polimento nunca são bem-vindos.
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Quanto ao garoto que queria ser real, Jared Leto faz uma interpretação pontual que oscila entre trejeitos robóticos e indiferentes ao soldado mecânico que, aos poucos, amolece seu coração feito de zeros e uns. Os demais atores seguem um trabalho regular, apresentando uma aventura que entretém, mas soa constantemente como algo familiar, com aquele sentimento de “já vi isso antes” ou “sei exatamente o que vai acontecer daqui para frente”.
Com todo o respeito ao legado criado pela TV Globo, Tron: Ares apresenta uma divertida Sessão da Tarde, que entre a velocidade das light cycle e o típico terceiro ato megalomaníaco, perde a chance de se aprofundar na problemática da IA oferecendo, no entanto, um lembrete de como a vida é preciosa, ordens autoritárias sempre devem ser questionadas e que seguir em frente após a perda é um processo difícil, mas possível.
Fica a sensação de que esta não é um tubarão da ficção científica preocupado com a substituição dos seres humanos por ferramentas digitais, mas um peixe que faz o exercício sobre o outro lado da moeda, uma resposta simples a “e se uma IA ganhasse um corpo provisório?”. Curiosamente, essa é uma pergunta que qualquer inteligência artificial poderia lidar, mas nunca conseguiria criar uma narrativa imperfeitamente perfeita, permeada por erros e acertos, algo fundamental na existência humana.