Belo e diferente
por Lucas SalgadoSe tem uma palavra que define bem A Viagem é ambicioso. Ambição foi algo que não faltou aos diretores, produtores e roteiristas Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer ao decidirem levar para as telas o best seller de David Mitchell tido por muitos como infilmável. A história se passa em várias épocas e, até mesmo, em mundos diferentes, e para criar um elo forte entre as tramas, os cineastas optaram por usar atores em vários papéis diferentes.
O vago título nacional acaba incentivando brincadeiras no sentido de apontar que o filme é uma viagem só, mas a verdade é que se trata de uma obra complexa, mas em momento algum confusa. Tramas ocorrem de forma sucessiva e sem seguir uma ordem específica, mas nada que fuja o alcance do espectador dos dias de hoje, mas acostumado com flash backs, flash fowards e por aí vai.
São cinco as histórias principais, todas estreladas pelos mesmo atores, que dão vida a inúmeros personagens. Existe um elo entre as tramas, mas o filme também não se preocupa em dar tudo explicadinho para o público, deixando a imaginação de cada um fazer as ligações como bem entender. Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving e Jim Sturgess são os atores principais da produção, todos com até seis personagens diferentes, com variações até mesmo de sexo. Assim, vemos Halle Berry interpretando um homem, enquanto que Hugo Weaving surge na pele de uma ameaçadora enfermeira.
O trabalho dos atores é impressionante, mas eles devem dividir o mérito também com a equipe de design de produção. A maquiagem e os figurinos roubam a cena, como mostra já a primeira sequência do longa, com um Tom Hanks velho, tatuado e com uma grande cicatriz no rosto. O longa acaba oferecendo ao espectador uma espécie de jogo de adivinhação, em que demos que descobrir qual ator está por trás de determinada maquiagem. Acredite, em alguns casos, é difícil perceber.
Cloud Atlas (no original) é um filme envolvente, mas que poderia ter bem menos que seus 152 minutos de duração. As quase três horas incomodam um pouco e podem fazer com que algumas pessoas "saem" do longa. Outro problema, este mais sério, está com relação uma série de diálogos clichês que podem ser vistos em cena. Ao ouvir que é apenas uma gota no oceano, um abolicionista diz: "O que é o oceano senão uma infinidade de gotas". Em outro momento, vemos uma personagem falando: "A morte é apenas uma porta. Quando uma se fecha, outra se abre." Para compensar tais momentos de pieguice, o roteiro oferece alguns belos momentos de romance protagonizados por Ben Whishaw e James d'Arcy.
Whishaw, por sinal, entrega a melhor atuação de todo elenco. Parceiro antigo de Tom Tykwer, com quem realizou Perfume - A História de um Assassino e Trama Internacional, o ator interpreta o personagem mais complexo da trama: Robert Frobisher, um jovem e inquieto compositor responsável pela sinfonia Cloud Atlas, que dá nome ao longa.
A Viagem é um exemplo claro, e raro, de coautoria que resulta de forma evidente na soma do trabalho dos autores. Sim, toda ideia de coautoria é essa, mas chega a ser surpreendente como o filme possui elementos claros dos cinemas dos Wachowski e de Tykwer. Temos grandes cenas de efeitos visuais em universos complexos e coloridos, ao mesmo tempo em que vemos personagens em situações intimistas.
Trata-se de um filme que pode ser tudo, menos ordinário. Ainda que algumas pessoas possam não se envolver tanto com a história, é difícil imaginar que não aproveitem nada do que está presente em cena.