Springsteen: Salve-me do Desconhecido
Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Springsteen: Salve-me do Desconhecido

Vindo de The Bear, Jeremy Allen White se destaca em biografia que marca conflito entre um artista e sua própria mente

por Aline Pereira

Entre a gama imensa de gêneros e subgêneros cinematográficos, as cinebiografias são certamente as primeiras que me deixam com um grande ponto de interrogação na mente sobre o que esperar antes de assistir. Penso que é um tipo de produto com aspectos múltiplos e igualmente importantes que devem girar juntos para que, no fim das contas, faça surgir alguma emoção em quem já conhece a figura retratada e, em quem não conhece, deixe a sensação de “entendi porque esta pessoa teve sua história contada”.

É justamente a falta de um pouco mais de força nesses dois lados o que mais me distanciou de Springsteen: Salve-me do Desconhecido, estrelado por Jeremy Allen White (O Urso) e assinado pelo diretor Scott Cooper (Coração Louco). Ainda que a biografia de Bruce Springsteen seja interessante por si só (não à toa, afinal, o artista se tornou uma personalidade tão relevante), um recorte mais específico – não em termos de datas, porque isso existe, mas em um mergulho mais “pessoal” – em sua história pudesse trazer tanto o fator emocional para quem acompanha sua carreira, quanto o impacto para quem vai conhecê-lo melhor pelo filme.

Em Salve-me do Desconhecido, acompanhamos Springsteen, em especial, no nascimento de seu álbum mais celebrado, Nebraska, no início da década de 1980. A concepção de uma obra tão reflexiva e honesta, na época, refletia o estado mental em que o músico se encontrava: ao passo em que se tornava uma estrela do rock, a fama trazia também pressão e confronto com memórias de uma infância nem sempre fácil, marcada por um ambiente familiar tenso.

Biografia de Springsteen aborda luta de seu protagonista contra sua própria mente – mas falta força

Walt Disney Studios Motion Pictures

O ponto de partida do longa me cativou rapidamente: a ideia principal aqui parece ser dar atenção especial ao turbilhão mental e emocional que Springsteen vivia naquele momento de sua vida e como, muitas vezes, a batalha travada contra a depressão e contra seus próprios pensamentos se mesclava ao processo criativo – nem sempre fácil, mas brilhante, como vemos em sua obra musical. Nesse sentido, é uma boa escolha a do diretor de abordar um período histórico bem específico em vez de resumir (como uma infinidade de outras cinebiografias) a vida inteira de seu protagonista.

Dito isso, penso que esta abordagem, apesar de criativa, ainda navega na superficialidade. A sensação é de que toda vez que a trama parecia a ponto de engrenar e mergulhar mais profundamente no personagem, algum ponto externo de tensão também precisava aparecer para intensificar o drama. Veja bem, não tenho dúvidas de que a vida de um artista do calibre de Springsteen seja realmente dramática, mas no filme, sinto que a necessidade de se ater a alguns padrões talvez tenham nos impedido de nos conectar mais fortemente ao que o tornou uma figura célebre, que é justamente sua mente criativa.

Entre os “dramas” externos que parecem um pouco desencaixados, o principal ponto talvez esteja no relacionamento romântico e errático entre ele e Faye (interpretada por uma super carismática e envolvente Odessa Young). Trata-se de uma personagem fictícia que representa, em uma pessoa só, as mulheres com quem Springsteen se envolveu amorosamente. Novamente, não há dúvidas de que as relações entram, de uma forma ou de outra, neste tornado emocional que acompanhamos na trama, mas há uma insistência no conflito romântico que não parece levar a lugar algum.

Walt Disney Studios Motion Pictures

Algo parecido acontece na insistência do uso de flashbacks da infância de Springsteen, que surgem várias vezes para reforçar uma mensagem que já estava clara desde a primeira pontuação e que me pareceu pouco original: o crescimento cercado pela violência física e verbal do pai fizeram parte da construção do artista adulto que vemos ali.

Ótimas atuações se destacam na biografia de Bruce Springsteen

À esta altura, penso que já é claro que a tentativa de imitar o biografado como se fosse um sósia raramente funciona e a ótima notícia sobre esta biografia é que ela está longe, bem longe de fazer isso. O potencial dramático de Jeremy Allen White já era conhecido pelo notável trabalho que ele fez como o atormentado chef de cozinha Carmy Berzatto, protagonista da série The Bear – também do injustamente menos lembrado do que deveria Garra de Ferro – e Salve-me do Desconhecido acrescenta mais uma boa performance para sua carreira.

Allen White faz uma boa representação física dos conflitos emocionais e da depressão carregada pelo artista, além de ter se saído bem nos momentos em que precisou usar sua voz de verdade para cantar as músicas de Springsteen. Em tela, fica clara uma dedicação bem interessante ao entendimento da personalidade do biografado e a expressão dela de forma natural, longe da caricatura que já vimos em outras produções, como Bohemian Rhapsody, que conta a história de Freddie Mercury.

Walt Disney Studios Motion Pictures

Destaco também a alegria de encontrar o talentoso Stephen Graham no papel do pai de Bruce. Apesar da carreira consagrada no Reino Unido, o ator se tornou indiscutivelmente mais popular após o sucesso da minissérie Adolescência, da Netflix e só posso torcer para que ganhe mais e mais destaque. O mesmo vale para nosso “ator do método” favorito Jeremy Strong (Succession). Aqui, ele interpreta o jornalista e produtor Jon Landau, figura importante na vida de Bruce como empresário e, talvez, sobretudo, como um grande amigo.

De forma geral, Springsteen: Salve-me do Desconhecido acaba se tornando um filme cativante porque a história de seu protagonista é originalmente interessante: seguindo um caminho distinto de outros grandes rockstars, Bruce lidou com a depressão e com as consequências do transtorno de maneira muito particular e que pode ser, para quem já era fã e para quem ainda não era, inspiradora.

Filme assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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