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    Cine Ceará 2019: Edição politizada consegue valorizar potente safra do cinema cearense (Balanço final)

    O cinema brasileiro resiste, e os cinemas regionais também.

    Arlindo Barreto / Cine Ceará / Divulgação

    O Cine Ceará - Festival Ibero-Americano de Cinema promoveu algumas mudanças interessantes em sua 29ª edição. O evento sempre foi conhecido pela forte seleção de filmes, de estilos muito diversos, mas a edição 2019 conseguiu sublinhar a força do cinema nacional, em particular da produção cearense.

    Este foi o caso da forte mostra Olhar do Ceará, que além de trazer três longas-metragens locais pela primeira vez, ainda exibiu uma impressionante seleção de curtas. A sensação de que muitos deles (como Oceano, Iracema Mon Amour, Onde a Cidade é Comida, Saudade é Fome) poderiam se encontrar na mostra competitiva foi intencional, de acordo com o curador Diego Benevides, para quem a ideia era desenhar uma segunda mostra em paralelo, igualmente forte.

    Além disso, qual outro Estado pode se gabar de ter tantos longas-metragens finalizados no mesmo momento quanto o Ceará, com exceção do habitual eixo Rio-São Paulo? O que se habituou chamar, nos bastidores do evento, de "Primavera Cearense", corresponde tanto a um reconhecimento do ótimo trabalho de novos cineastas e de medidas efetivas de incentivo à arte, quanto à preocupação de que o fenômeno seja passageiro no caso da interrupção destas medidas. Afinal, para os próximos anos, não há tantos filmes cearenses sendo finalizados quanto houve nesta edição.  

    A presença cearense se estendeu a outras esferas na mostra competitiva e nas exibições especiais. O vencedor desta edição, Greta, se passa em Fortaleza, enquanto o filme de abertura, A Vida Invisível, foi dirigido pelo cearense Karim Aïnouz, e vai representar o Brasil no Oscar 2020. Exibido na cerimônia de encerramento, o cearense Pacarrete, de Allan Deberton, não apenas possui diretor e equipe cearenses, como retrata o interior do Estado, numa chave de lirismo rara dentro da produção contemporânea, e que conquistou o público local.

    Ao mesmo tempo, trata-se de formas de cinema completamente diferentes, da doçura tragicômica de Pacarrete ao melodrama violento de A Vida Invisível, da brutalidade dos corpos em Greta ao humanismo delicado de Marie, do retrato metafórico de O Tempo de Olhar e o Olhar no Tempo à ficção científica de Oração ao Cadáver Desconhecido, passando pelo trash de Pop Ritual.

    Isso desmonta a noção de "cinema brasileiro" enquanto gênero unitário, e também dissipa a ideia de uma "onda cearense" focada num único estilo: a produção deste ano deve sua força ao olhar tanto de jovens diretores quanto de cineastas consagrados, nos mais diversos gêneros e estilos. Esta cinematografia se torna forte por ser diversa, ao invés de constituir um movimento em comum.

    O Cine Ceará ganha muito com a curadoria de Eduardo Valente, que já ajudou a definir a personalidade bem marcada de dois dos principais festivais nacionais: o Festival de Brasília, até a edição 2018, e o Olhar de Cinema. Diante de tantos bons filmes, entre discursos potentes sobre a resistência do cinema brasileiro e sobre a independência da arte, os diretores, curadores e produtores da 29ª edição compreenderam a necessidade de reforçar o caráter nacional do Cine Ceará, ainda que se mantenha ibero-americano.

    Além da postura política dos artistas presentes, percebida tanto nos filmes quanto nas falas, o festival se alinha com a necessidade de valorizar a produção brasileira, defendendo seu valor em tempos de ataque à cultura.

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