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    Festival do Rio 2018: Tinta Bruta busca o símbolo da resistência em uma onda de conservadorismo

    Longa dos diretores gaúchos Márcio Reolon e Filipe Matzembacher está em competição no festival carioca e acompanha um jovem tentando vencer na vida em Porto Alegre.

    Pedro (Shico Menegat) é um jovem em uma situação complicada. Ele responde a um processo criminal, que o fez abandonar a faculdade e perder os poucos amigos, ao mesmo tempo em que sua irmã muda para outro estado para seguir a carreira. Seu único sustento financeiro são as suas performances eróticas na internet, que faz utilizando tintas neon — daí seu apelido, “GarotoNeon.” Quando ele descobre que outra pessoa está copiando sua ideia original, conhece Leo (Bruno Fernandes), uma pessoa completamente diferente do seu mundo fechado.

    Ambientado em Porto Alegre, Tinta Bruta venceu o Prêmio Teddy de Ficção no Festival de Berlim (dedicado a produções com temática LGBT) e trata-se do segundo da dupla Márcio Reolon e Filipe Matzembacher, também diretores de Beira-Mar (2015). Aqui, os cineastas exploram a relação do jovem pós-moderno com a cidade, a sensação de abandono e opressão amplificadas tanto pela relação com o virtual quanto pelo conservadorismo de uma cidade fechada contra a cena cultural.

    Os diretores e os protagonistas conversaram com o público do Festival do Rio durante a exibição do longa nesta quarta-feira (07), explicando como a cidade é um símbolo universal da trama.

    “O filme surgiu de uma vontade nossa de conversar sobre a relação que temos com a cidade de Porto Alegre”, relata Matzembacher. “É uma cidade em que crescemos, estudamos e vivemos. E sentimos que ela tem se tornado cada vez mais hostil e violenta, e que também é um ponto de partida. Há alguns anos, percebemos que de 10 dos nossos amigos, 6 ou 7 haviam ido embora. Porto Alegre se tornou um ambiente violento e massacrante pela cultura social e pela gestão das últimas prefeituras. Isso acabou fazendo com que a cidade se tornasse não-frutífera, especialmente para os jovens. Então esse personagem sofre uma síndrome de abandono, e a cidade é um reflexo dele. A cidade o julga e traz à tona a questão da opressão.

    Aparentemente, um ponto importante é que trazemos a cidade para dentro da casa do Pedro, a cidade invade o seu espaço físico”, segue, relembrando o trabalho da direção de arte e de fotografia para acentuar a sensação de esmagamento.

    “O trabalho que a direção de arte fez foi olhar para o centro histórico de Porto Alegre e trazer aquele ambiente para dentro do apartamento”, completa o codiretor. “Olhar para aqueles prédios, aquele ambiente antigo, cinza e abandonado, e colocá-lo dentro da casa do Pedro.”

    Para Shico Menegat, que faz sua estreia como ator, retratar a fobia do personagem também é um símbolo de resistência política.

    “Como jovens artistas, sempre tentamos fomentar a cena cultural e sentimos o impacto de uma cidade não-receptiva, que não valoriza a cultura da cena LGBT, das festas de rua e dos movimentos independentes. Isso está no filme de uma forma muito sutil. Nada disso é dito, mas cria-se um panorama de uma cidade que vem sofrendo, nas últimas décadas, uma enorme onda de conservadorismo. Não só Porto Alegre, mas o Rio Grande do Sul e o Brasil como um todo.

    Então o Pedro, por mais que tenha essa relação com a cidade, quando ele conhece o Leo acaba vendo outras possibilidades de como existir e resistir em uma ambiente assim. Ele consegue encontrar pessoas que têm ideais próximos ao dele, e como para alguém que não tem nenhuma perspectiva é importante. Então a relação do Pedro com o Leo, e a relação deles com Porto Alegre potencializam o sentimento de resistência em ambientes conservadores. É possível resistir e é possível viver.”

    Bastante focado no tema de resistência social e política frente à onda de conservadorismo, o debate trouxe à tona também a importância do arco final de Tinta Bruta, que se equilibra como uma carga otimista no meio de um turbilhão de ocorrências negativas na vida de Pedro.

    “Desde o início da concepção do roteiro, queríamos que o Pedro fosse um personagem reativo”, explica Matzembacher. “Ele está imerso, sofrendo uma opressão sistêmica constante, e que a vida dele vai ainda mais para a fossa depois que ele decide reagir à opressão. Queríamos que o filme falasse, a partir dali, para onde olhar. E por isso que o final era um pouco otimista. A mudança é uma mudança interna do Pedro, porque ele conseguiu olhar para outro lugar. O que era interessante, para nós, era ver este momento de emancipação dele.”

    Mas o elemento mais marcante de Tinta Bruta, naturalmente, é a tinta neon, que para os diretores tem vários significados.

    “O neon tem vários elementos que utilizamos no início do roteiro, e acho que representa os sentimentos intrínsecos do Pedro que ele não consegue expressar”, continua. “E em um certo momento, o Glauco [Firpo, diretor de fotografia] trouxe um pensamento que nos iluminou. O Pedro é um vulcão, ele está quase entrando em erupção. E a tinta é a lava.”

    Leia aqui a crítica do AdoroCinema.

     

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