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    A História dos Blockbusters - Parte 1: Sobre épicos, cineastas autorais e tubarões

    A primeira parte da minissérie em seis capítulos do AdoroCinema explora os anos entre 1939 e 1975.

    A MEGALOMANIA

    Novas salas, construídas sobretudo nos shopping malls ao redor dos Estados Unidos, tornaram a sétima arte ainda mais acessível para o público norte-americano, levando os imensos épicos de Hollywood a todos os cantos do país. A distribuição internacional, por sua vez, também ia de vento em popa: a enorme quantidade de longas produzidos na Cinecittà garantia o interesse do apaixonado público italiano enquanto os franceses, enamorados pela Nouvelle Vague de Jean-Luc Godard e de François Truffaut, seguiam consumindo as produções estadunidenses. Do lado tupiniquim da equação, as luxuosas (e hoje falecidas) salas da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, recebiam as obras dos americanos de braços abertos. No início dos anos 1960, a Era de Ouro parecia não ter fim.

    Antes que tudo viesse abaixo, as majors se mantiveram no controle, lucrando cada vez mais. Foi nesse contexto de otimismo que surgiu a primeira franquia de Hollywood: a saga James Bond. Os quatro primeiros longas - 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), Moscou Contra 007 (1963), 007 Contra Goldfinger (1964) e 007 Contra a Chantagem Atômica (1965), todos estrelados pelo Bond original, Sean Connery - lucraram US$ 154 milhões ao todo. O montante foi alcançado com facilidade porque sempre que o próximo capítulo era lançado, o episódio precedente era exibido em conjunto como uma espécie de “número de abertura” para o longa inédito. Portanto, se há uma franquia que precede todas as outras em termos de formato, comercialização e sucesso, esta é a saga Bond - ela retornará ao nosso foco nos capítulos futuros.

    Os blockbusters, de um modo geral, cresceram sem impedimentos entre 1960 e 1965 - e cada vez mais diversificados, encheram os cofres de seus estúdios e de suas estrelas. Destaque para produções da Disney como A Guerra dos Dálmatas (US$ 14 milhões na exibição original, posteriormente potencializados pelos relançamentos) e Mogli - O Menino Lobo (US$ 73 milhões), e para romances históricos como Doutor Jivago, exibido no prestigiado Festival de Cannes. Este drama, aliás, alcançou marcas expressivas, com US$ 111 milhões de bilheteria e tradução para 22 idiomas, recorde absoluto à época. Estrelado por Omar Sharif, o épico foi dirigido pelo lendário David Lean (Desencanto), cujo Lawrence da Arábia (US$ 37 milhões) inspirou Steven Spielberg a se tornar um cineasta.

    Até os musicais, após uma má temporada, se reergueram. Superando o intrínseco ciclo de declínio do gênero, Mary Poppins (US$ 86 milhões), My Fair Lady (US$ 72 milhões) e A Noviça Rebelde arrebataram espectadores em todo o mundo. O último da lista, particularmente, foi um sucesso tão absurdo que destronou ...E o Vento Levou e seus inúmeros relançamentos com facilidade para se tornar o maior filme da história em termos de bilheteria. O clássico coestrelado por Julie AndrewsChristopher Plummer provocou verdadeiro frenesi no planeta. Produzido por apenas US$ 8 milhões, o longa de Robert Wise foi descrito como o mais perfeito filme comercial por agradar a todos os públicos - precedendo a ideia dos Quatro Quadrantes, conceito que exploraremos mais adiante -, arrecadando US$ 112 milhões e se tornando a primeira obra a quebrar tal barreira; Doutor Jivago foi lançado nove meses depois. De acordo com impressionantes relatos, algumas pessoas chegaram a assistir A Noviça Rebelde mais de 10 vezes; em algumas cidades, o número de ingressos vendidos excedeu o total de habitantes destes municípios.

    Só que a bolha estourou. Em 1969, os blockbusters trouxeram prejuízos incalculáveis às suas produtoras; até 1972, as majors de Hollywood declararam uma perda total de US$ 500 milhões. Assim, a megalomania dos executivos; os orçamentos astronômicos dos épicos; a recusa dos bancos em continuar emprestando dinheiro para os estúdios; a imensa oferta de produções dos mesmos tipos; a fadiga generalizada dos espectadores; e o altíssimo preço dos ingressos dos roadshows - que logo seriam abolidos - colocaram o último prego no caixão do sistema de estúdios. E o vácuo de poder imediatamente criado foi preenchido por um grupo de jovens e contestadores cineastas que decidiram assumir as rédeas da indústria.

    A NOVA HOLLYWOOD

    O movimento que ficou conhecido como Nova Hollywood teve início em 1967 com o lançamento de Uma Rajada de Balas, coestrelado por Faye Dunaway e Warren Beatty. Apresentando personagens moralmente duvidosos, a romantização do crime e um final ultra-violento e trágico, o longa assinado por Arthur Penn era tudo que os tradicionais longas hollywoodianos não eram. No entanto, tal subversivo produto da contra-cultura cinematográfica fora criado dentro dos quintais das majors - e trouxe ótimo retorno financeiro: US$ 70 milhões, triunfo de bilheteria grande o suficiente para reacender as esperanças dos executivos de Los Angeles. Mas o problema é que os produtores tradicionais, maníacos por controle, não conseguiam exercer comando algum sobre os cineastas da Nova Hollywood.

    A turma liderada por celebrados nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Robert Altman, Hal AshbyMichael Cimino e o supracitado Penn, entre outros, sabia dançar conforme a música, mas também tinha o desejo de questionar o andamento, a melodia e os acordes da canção. Interessados em refletir que elementos constituíam a identidade norte-americana à época - fortemente impactada pela Guerra do Vietnã, o conflito dos Estados Unidos com a União Soviética e pelos movimentos civis e de liberação das mulheres -, os jovens artistas propuseram uma radical reformulação da estética do cinema estadunidense, trazendo uma sensibilidade europeia que jamais esteve presente na sétima arte local até então.

    Para os executivos da Velha Hollywood, suportar os jovens da Nova Hollywood - além de fazer produções voltadas para o público da mesma idade, algo que a indústria vinha evitando desde os seus primórdios por não confiar nessa faixa da audiência - era péssimo; viver sem eles, contudo, tornou-se impossível.

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