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    Neruda: Filme é exercício de ‘pura invenção’, diz o premiado diretor Pablo Larraín (Exclusivo)

    Recém-indicado ao Globo de Ouro, cineasta chileno ainda comenta responsabilidade de levar para os cinemas a história de um outro ícone, dessa vez dos EUA: Jackie, com Natalie Portman.

    Getty Images

    Pablo Neruda: Com quem andava? O que dizia aos amigos? Como fugiu da perseguição anticomunista?

    É sabido que o chileno Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, nome de batismo do poeta, foi um dos escritores mais reverenciados da literatura latino-americana, prêmio Nobel de Literatura em 1971. Porém, “Não conhecemos sua vida privada”, atesta o conterrâneo cineasta Pablo Larraín, em entrevista por telefone ao AdoroCinema.

    “Não sabemos exatamente que tipo de coisas ele costumava dizer ou imaginar em relação às pessoas mais próximas”. E foi esse exercício de preencher lacunas, de “pura invenção”, como acredita o diretor, a grande aposta de Neruda, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta, 15 de dezembro.

    Recém-indicado como melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro – e representante do Chile na corrida do Oscar –, a produção não é uma cinebiografia tradicional. Passada no final dos anos 1940, a obra aborda especificamente a perseguição anticomunista a que o político (ele era também senador), vivido por Luis Gnecco, foi submetido, capitaneada pelo inspetor Peluchonneau (Gael García Bernal).

    Divulgação

    Claro, também conversamos com ele sobre outra produção biográfica de recorte preciso: Jackie, exibido no último Festival de Toronto, que acompanha a semana de Jacqueline Kennedy Onassis imediatamente após a morte do marido, o então presidente John Fitzgerald Kennedy, em 1963. Com mais de 30 prêmios na mochila, Larraín, de Tony Manero, No, O Clube, entre outros, falou sobre a responsabilidade de retratar a história de um ícone norte-americano em terra estrangeira. “Darren Aronofsky me ligou porque queria que eu assumisse Jackie. E você não diz não a um filme como Jackie”.

    Confira a entrevista completa, abaixo.

    AdoroCinema: Antes de mais nada, parabéns pela indicação ao Globo de Ouro. Já esperava ser indicado?

    Pablo Larraín: É uma novidade incrível e que veio em um ótimo momento, porque o filme será lançado nos Estados Unidos nesta sexta-feira [16/12]. Essa notícia dará um bom impulso ao filme.

    Reprodução Internet

    Recentemente, você afirmou que muitas coisas foram ditas e escritas sobre Pablo Neruda, mas que, mesmo assim, nós não sabemos muito sobre ele, sobre a sua história. De que forma Neruda funciona como uma cinebiografia, uma história real?

    Neruda é conhecido, mas apenas como um ativista, político e escritor. Nós não conhecemos sua vida privada, não sabemos o que acontecia em sua casa, não conhecemos sua esposa ou seus amigos. Não sabemos exatamente que tipo de coisas ele costumava dizer ou imaginar em relação às pessoas mais próximas. Então, nós tentamos criar uma atmosfera, algo que, para mim, é uma espécie de ilusão. Acho que é a melhor forma de definir isso. E o filme é sobre isso: explorar Pablo Neruda. Então, nós tivemos que colocar palavras em sua boca e isso foi um grande desafio porque ele é um grande personagem. Como fazer um personagem desse tamanho falar, como descobrir o que ele vai dizer? Este filme é uma imaginação de como ele teria vivido esses momentos de sua vida.

    Você teve que preencher muitas lacunas...

    Sim, tive que fazer isso o tempo todo. Mas não foi tão difícil porque nós tínhamos um ponto de partida, tínhamos um registro muito preciso dos lugares por onde passou e das coisas que ele fez. A partir daí, nós começamos a escrever. Os personagens são reais, os pensamentos são reais, mas a base deles é pura invenção. Eu acho que o cinema é isso.

    Divulgação

    De que forma, não só a poesia, mas também o humor, são importantes para contar essa história?

    Pablo Neruda era um cara muito engraçado, tinha um senso de humor muito singular. Essa característica fazia parte de seu trabalho. Ele fazia piadas até mesmo em situações ruins e nós tentamos trazer esse humor negro para o filme, para atingir a autenticidade. Mas nem todos esses momentos estão no roteiro. Uma boa parte disso surgiu durante as filmagens. No set, nós tentávamos algumas coisas e uma parte delas funcionava. Às vezes acontece.

    Não é a primeira vez que você trabalha com Luis Gnecco e Gael García Bernal. O que eles têm de especial?

    Ambos são grandes atores, realmente admiro os dois. Luis é um ator muito complexo e capaz. Você pode pedir para ele fazer a ideia mais louca que você tiver e ele atingirá algo bem próximo do que você imaginou. Além disso, ele se parece com Neruda. A semelhança de Luis com Neruda no filme é impressionante. Antes mesmo de começarmos a pré-produção, nós já sabíamos que Luis era o ator perfeito para o papel. E Gael também é um ator fantástico, é um ator puro. Quando eu e [o roteirista] Guillermo Calderón estávamos escrevendo o roteiro e criamos o papel do detetive, nós imediatamente decidimos que o personagem seria perfeito para Gael. Nós ligamos para ele, falamos sobre o papel e ele aceitou. Foi um prazer trabalhar com eles. Neste filme, não os vemos juntos, acho que só em um momento específico. Nós filmamos algumas cenas em que eles contracenam, mas elas acabaram não entrando no corte final. Mas é sempre um prazer trazer uma boa e complexa ideia e ver alguém desempenhá-la.

    Mudando um pouco de assunto, o que você sabia sobre Jacqueline Kennedy antes de trabalhar em Jackie? Você se sentiu preocupado ou com medo por ser um diretor estrangeiro contando uma história tão estadunidense?

    Eu não conhecia muito, mas sempre soube dos acontecimentos. Minha escola ficou fechada durante uma semana à época [em que o presidente John Kennedy foi assassinado em 1963]. O que eu sabia sobre ela era o que a maioria das pessoas sabe, já tinha visto inúmeras fotos dela, tinha algumas coisas em mente, mas fora isso, tudo era novo para mim. Então, quando eu me envolvi com o projeto, eu me senti muito conectado com a história dela, passei a admirá-la por tudo que teve que superar. Para qualquer pessoa, seria muito difícil ter que lidar com a morte do marido, o presidente, organizar seu funeral, manter o legado e deixar a Casa Branca. Ela era uma mulher muito poderosa e foi incrível poder explorar seu espírito, sua alma.

    O sotaque e o gestual bem peculiares de Natalie Portman como Jacqueline Kennedy não te causaram um certo estranhamento, principalmente no início das filmagens?

    Nós nos baseamos bastante no documentário da CBS sobre Jackie e trouxemos um especialista em sotaques para o set para construirmos a personagem. É claro que, a princípio, foi difícil assistir, mas depois nós passamos a entender as outras tonalidades da personagem; que aquela era Jackie em frente à câmera, era apenas uma personagem que ela estava interpretando e que ela falava em outro timbre de voz com seus filhos. Todos somos assim. Nós falamos de uma forma com nossos filhos ou com nossos pais, e falamos de forma diferente com nossos amigos. Não é algo totalmente diferente, mas tem sua distinção. E Natalie tentou trabalhar com isso, com as formas que cada pessoa tem para abordar e interagir com outras pessoas, para interpretar Jackie.

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    Você acha que outras atrizes podem vencê-la na corrida do Oscar?

    Eu não sei. Isabelle Huppert [por Elle] e Emma Stone [La la Land - Cantando Estações] também estão no páreo. São grandes atrizes. Acho que será uma disputa acirrada.

    Por que Neruda e Jackie, apesar de serem cinebiografias, dirigidas pela mesma pessoa, são filmes tão diferentes entre si, quando comparados?

    Dirigir Jackie surgiu de uma oportunidade única. Eu tive a chance de dirigir Neruda e, enquanto estava produzindo Neruda, Darren Aronofsky [o cineasta, que é produtor do filme] me ligou porque queria que eu assumisse Jackie. E você não diz não a um filme como Jackie.

    Você acha que, após Alejandro Iñarritú ter vencido dois prêmios Oscar, Hollywood está mais aberta aos latino-americanos hoje em dia?

    Acho que sim, agora existem vários debates dentro do Oscar sobre o papel das mulheres, dos negros, dos latinos. Mas eu acho que, antes de mais nada, é preciso ter um bom filme e que as pessoas gostem do seu filme. Se o filme for bom e as pessoas gostarem, você terá chances.

     

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