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    Diário de Brasília: entrevista com Hermila Guedes e Marcelo Gomes

    Atriz e diretor de Era uma Vez Eu, Verônica falam com exclusividade ao AdoroCinema.

    por Francisco Russo

    Era uma Vez Eu, Verônica era o filme mais aguardado do Festival de Brasília 2012, graças ao histórico de Marcelo Gomes e Hermila Guedes. O diretor chamou a atenção com Cinema, Aspirinas e Urubus, enquanto que a atriz despontou em O Céu de Suely, pelo qual ganhou diversos prêmios. Mais uma vez juntos, eles são fortes candidatos aos troféus Candango, premiação do festival, que serão entregues na noite de hoje.

    Logo abaixo você confere uma entrevista exclusiva concedida por Marcelo Gomes e Hermila Guedes ao AdoroCinema, um dia após a exibição de Era uma Vez Eu, Verônica no festival.

    Dívida paga

    Na apresentação do filme ao público, Marcelo Gomes disse que estava pagando uma dívida com Hermila Guedes. O diretor explicou melhor a situação. "Conheci a Hermila quando ela fez um curta-metragem e fiquei encantado por ela, então a chamei para fazer um pequeno papel em Cinema, Aspirinas e Urubus. Este papel foi crescendo de tamanho pela alegria que tinha de ensaiar com ela. Então disse que queria fazer um filme com ela. Promessa era dívida, no sentido afetivo."

    Hermila Gudes também lembrou da promessa. "Após rodar Cinema, Aspirinas e Urubus, o Marcelo disse que queria fazer um filme para mim. Depois de O Céu de Suely ele voltou a falar isto, mas disse que eu ficaria muito famosa com o filme e não iria mais querer fazer o dele", comentou soltando logo uma risada.

    Por que Hermila?

    "Ela tem um mistério, uma profundidade de campo na interpretação que é perfeita para o cinema", disse o diretor Marcelo Gomes. "Eu e Karim (Aïnouz) falávamos muito isso, que talvez ela não devesse fazer papel de coadjuvante mas sim de principal, tamanha era a capacidade magnética que possuía." Vale lembrar que foi Karim Aïnouz quem deu à atriz seu primeiro papel principal, em O Céu de Suely.

    Quase perdeu o papel

    Apesar de tamanha fascinação, Hermila Guedes quase ficou fora de Era uma Vez Eu, Verônica. "O Marcelo começou a fazer testes para o papel de Verônica, pois achava que eu já não teria mais idade para a personagem. Fiz a Verônica com 31 anos, enquanto que em O Céu de Suely tinha 25. Fui a última a fazer o teste e acabei ficando com o papel", revelou a atriz.

    "Por alguns momentos achei que iria perder este presente, porque não é apenas trabalhar como protagonista. É trabalhar com este diretor incrível e inteligente, que te dá todo o suporte para que o trabalho seja tranquilo e que o personagem seja construído junto com você. Nunca me senti sozinha fazendo a Verônica", completou.

    Outras dívidas

    Com Era uma Vez Eu, Verônica, Marcelo Gomes pagou outras dívidas que sentia com sua própria carreira. "Queria muito fazer um filme no Recife. Por coincidência do destino meus dois primeiros filmes foram feitos no sertão e o primeiro que roteirizei, Madame Satã, se passa na Lapa. Ficava com esta dívida porque sempre fui cinéfilo e ficava imaginando como seria um filme tratando de questões universais situado em Recife."

    "A terceira dívida é que sempre quis construir um personagem feminino no cinema. Acho que a Verônica é muito prima da Mônica do Bergman, da Cabíria do Fellini e de tantas outras personagens femininas pelas quais tenho grande fascinação. E, também por coincidência, os outros três filmes que trabalhei eram impregnados de testosterona. Então era uma série de dívidas que fiquei muito feliz de realizar", complementou o diretor.

    Construindo Verônica

    Hermila Guedes contou como fez para compor emocionalmente a personagem. "Fiz pesquisa com estudantes de Medicina, visitei hospitais e tive o apoio de uma psiquiatra, com quem trabalhei as cenas para definir a postura da personagem. Era importante este amadurecimento profissional dela e que isto ficasse claro na tela."

    O diretor Marcelo Gomes também comentou sobre o desenvolvimento de Verônica no roteiro. "Meu cinema é muito naturalista, até mesmo por influência de diretores que admiro, como Mike Leigh. Fiz uma grande pesquisa, entrevistando 20 mulheres que tinham o perfil desta personagem. Além disto, fizemos um grande trabalho de preparação de ator. Foi um desafio maravilhoso e contamos com a Hermila para isso."

    Nudez

    Em Era uma Vez Eu, Verônica há várias cenas tórridas de sexo, envolvendo Hermila Guedes e João Miguel. "A nudez sempre foi um problema pessoal, pois não gosto do meu corpo nem que as pessoas o vejam", declarou a atriz. "Depois de O Céu de Suely eu meio que me acostumei com esta história de se expor. É um trabalho de entrega como atriz, acho que se não pudesse fazer isto pelo cinema seria melhor ficar em casa dormindo. É claro que quando vejo que é o meu corpo que está na tela me dá um certo pavor, mas hoje consigo me distanciar. Já fico tranquila com esta exposição necessária para a personagem, porque ali não cabem os sentimentos da atriz."

    Marcelo Gomes também defende a presença das cenas de sexo no longa-metragem. "Se a proposta é construir um diário íntimo, se não mostrasse o sexo e a nudez da personagem estaria sendo leviano comigo mesmo. Ainda mais uma personagem jovem, que vive em 2012."

    "Procurei construir as cenas de sexo com o mesmo naturalismo que construí as outras cenas, não quis tapar nada", comentou o diretor. "Meus atores estavam muito à vontade, fizemos vários ensaios e, quando disse 'ação!', fomos construindo esta brincadeira que depois vai pro sexo real. Sem nenhum tipo de pudor, pois se ele estivesse em cena iria desconstruir todo o pensamento. Fui leal com minha personagem, se algumas pessoas podem ficar chocadas não posso fazer nada."

    Marcelo Gomes ainda contestou a polêmica ocorrida sempre que surgem cenas de sexo em algum filme brasileiro. "Esta polêmica é incrível, pois nos dias de hoje as pessoas ficam chocadas enquanto na internet há sexo explícito o tempo todo. Em 2002, Madame Satã foi passar no Festival de Cannes e nos convites havia X-rated, se você é muito sensível não assista este filme! O Karim falou que, no Brasil, 30% das pessoas saíram na cena de sexo. É incrível porque no Brasil todo mundo está nu na praia, mas se alguém tira a roupa vira um tumulto generalizado. Então temos esta dicotomia, que é a presença do índio e do catolicismo exacerbado na nossa cultura."

    Karim Aïnouz

    O diretor Karim Aïnouz, que rodou Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo com Marcelo Gomes, é creditado como consultor artísico em Era uma Vez Eu, Verônica. Marcelo explicou o porquê da homenagem. "Foi muito difícil montar este filme, a primeira versão tinha 2h40. No penúltimo corte ainda estava preso a muitas cenas, por causa deste encantamento pela Hermila. Convidei o Karim para passar uma semana comigo e a Karen Harley, montadora do filme, para fazer um exercício de reflexão. Ele me ajudou muito nisso."

    O diretor ainda revelou que, para ele, o cinema é feito em conjunto. "Adoro parcerias de cinema. Meu próximo filme será com o Cao Guimarães, convido amigos para ler meus roteiros e ver a montagem. Acho que este é um grande diferencial de Pernambuco. No Rio e em São Paulo os cineastas são muito sozinhos, não existem muitos grupos. Por exemplo, Lírio (Ferreira) me deu um roteiro para ler e Gabriel (Mascaro) vai fazer um filme comigo daqui a dois ou três anos."

    Pernambuco no cinema

    O Festival de Brasília trouxe cinco longa-metragens feitos em Pernambuco - Era uma Vez Eu, Verônica, Eles Voltam, Boa Sorte, Meu Amor, Doméstica e O Som ao Redor -, vários deles de diretores estreantes no formato. O fato surpreendeu muitos dos presentes no festival, mas é compreensível para Marcelo Gomes. Ele explica. "Recife sempre foi berço da cultura brasileira e Olinda, no século XVII, era uma das maiores cidades da América. Depois veio a literatura de grandes escritores e a poesia de Manuel Bandeira, nos anos 20 teve o ciclo de Recife e nos 70 o do super oito. Isto gerou um caldo cultural."

    "Teve também a questão da coincidência geracional, com um monte de gente querendo fazer cinema. Outra coincidência foi o fato de vários destes filmes terem dado uma repercussão grande. A partir daí a classe artística fez pressão para que surgissem leis de fomento estaduais. Além disto, teve uma decisão nossa de chamar pessoas jovens para ser estagiários em nossos filmes. O Gabriel (Mascaro) e o Daniel (Aragão) foram meus assistentes de direção e estão aí, com filmes solo. E conseguiram muito mais rápido que a gente, que só veio realizar seus primeiros longas aos 35 anos. Então há várias razões, mas nenhuma delas explica o movimento como um todo, porque os filmes são muito diferentes."

    A importância dos festivais

    Era uma Vez Eu, Verônica teve sua première no Festival de Toronto deste ano e foi pela primeira vez exibido no Brasil no Festival de Brasília. O diretor Marcelo Gomes explica o porquê da preferência por este tipo de evento. "Os festivais internacionais são bacanas para ver a reação de pessoas que têm uma cultura completamente diferente da nossa. É uma alegria muito grande e uma forma de compreender seu próprio cinema. O segundo ponto é a visibilidade que estes festivais te dão, o que repercute em sua própria carreira."

    Hermila Guedes também explicou sua visão sobre os festivais. "O filme começa a existir no festival, a sentir a temperatura junto ao público. É muito importante para mim como atriz mostrar este trabalho a pessoas que amam e fazem cinema. É ser julgada por pessoas que têm fundamento para falar sobre o filme, isto é importantíssimo."

    A atriz também comentou sobre a possibilidade de ser mais uma vez premiada, assim como aconteceu no Festival do Rio com O Céu de Suely. "Em relação à disputa, é claro que quero ser premiada, isto é também uma forma de reconhecimento do seu trabalho. Mas antes de sair de casa tento trabalhar isto, de que é apenas mais um trabalho e não dá para ser incrível sempre."

    Baixo orçamento x blockbusters

    Após despontar em O Céu de Suely, Hermila Guedes teve a chance de estrelar o sucesso de público Assalto ao Banco Central. A atriz falou sobre as diferenças entre trabalhar em filmes de baixo orçamento e nos blockbusters brasileiros. "Esta era uma intenção minha, queria que outro público pudesse conhecer meu trabalho. É muito diferente, pois o ritmo é outro, as condições também... É tudo muito marcado, não há improvisação. Rodei o filme todo em estúdio no Rio, enquanto que a maioria dos filmes de baixo orçamento que faço são em externas."

    Futuro

    Hermila Guedes terá um novo filme estreando já no próximo dia 28. Trata-se de Boca, coestrelado por Daniel de Oliveira, que será inicialmente lançado apenas nos cinemas de São Paulo. Já Marcelo Gomes voltará aos sets de filmagens ainda neste ano. "Eu e o Cao Guimarães iremos começar a rodar um filme juntos no final deste ano. A gente fala que é um filme processo, pois vamos misturar estilos e também a gente dentro do filme. Vamos colocar o processo de fazer um filme dentro do filme. A base é um conto do Edgar Allan Poe chamado "O Homem das Multidões", que inaugura na literatura pós-contemporânea a questão da solidão nas grandes cidades."

    LEIA MAIS:

    Guia do Festival de Brasília 2012

    As imagens da exibição de Era uma Vez Eu, Verônica no Teatro Nacional Cláudio Santoro, presentes nesta materia, são de autoria de Junior Aragão.

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