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    Nasty Baby
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Nasty Baby

    A paranoia dos adultos

    por Bruno Carmelo

    Aproximando-se dos quarenta anos de idade, três adultos enfrentam uma crise afetiva e profissional. O casal Freddy (Sebastián Silva) e Mo (Tunde Adebimpe) pretende ter um filho com a ajuda da amiga Polly (Kristen Wiig). As expectativas desta família moderna são afetadas pelas pressões mais tradicionais: é preciso ter filhos, de preferência com os genes dos pais, para se sentir completo e realizado. A maternidade (e paternidade) é transformada no ícone máximo de normatividade social, capaz de afetar inclusive um núcleo gay e polimorfo.

    O diretor Sebastián Silva cria uma obra interessante pela conjunção de estranhezas e incômodos. Por trás da aparência descontraída, cheia de sorrisos e de interações naturalistas entre os atores (Kristen Wiig é sempre excelente nas cenas mais dinâmicas), existe um profundo mal-estar que afeta cada personagem. Este elemento sombrio é projetado na figura do Bispo, um vizinho agressivo, homofóbico e alcoólatra que passa a interferir na vida do trio central. O excelente personagem, interpretado com muitas nuances por Reg E. Cathey, funciona como catalisador para a catástrofe que se anuncia, lentamente, desde a primeira cena.

    O cineasta se especializou, nos filmes anteriores, numa mudança inesperada de gêneros: como Anna Muylaert no Brasil, ele gosta de apresentar comédias leves que aos poucos se transformam em suspenses sombrios, beirando o terror. Esta é uma maneira não apenas de trazer novidades à trama, mas também de substituir o reconforto típico da comédia pela perturbação voluntária do suspense. O cineasta é um ótimo manipulador de sensações, e comprova sua destreza elevando o conflito a um terreno moral e ético.

    No caso, depois de dedicar mais de uma hora fazendo com que o público goste dos personagens e torça por eles, Nasty Baby apresenta uma atitude violenta e condenável dos protagonistas. Como reagir aos fatos? Continuamos torcendo por eles? Como Michael Haneke (A Professora de Piano) e Lars von Trier (Dogville), Silva rompe o “pacto de não-agressão” com o espectador, reconfigurando a construção dos personagens e gerando um questionamento fértil e complexo.

    As imagens contribuem de maneira muito eficaz à mudança de tom. A belíssima fotografia de Sergio Armstrong (de O Clube e No) traz uma atmosfera divertida na primeira metade, e depois passa a trabalhar os tons escuros e as cenas noturnas como num asfixiante filme de horror. Nasty Baby está sempre aberto ao inesperado, ao absurdo e ao incompreensível – vide a performance artística de Freddy e a inclusão naturalista de um “oráculo”.

    A conclusão apresenta mais uma estranheza, uma presença sinistra que acompanha Freddy, Mo e Polly. Com sua trama sobre pessoas comuns cometendo atos incomuns, Sebastián Silva faz uma crônica da paranoia que atinge os adultos, e da dificuldade de lidar com o outro, de aceitar a diferença. Afinal, todos são seres excluídos que se atacam pela inabilidade de comunicar: por um lado, um homem com distúrbios, por outro lado, um casal gay e uma mulher solteira, sem filhos. A Nova Iorque apresentada neste filme é um caldeirão prestes a explodir.

    Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cinema da Diversidade, em novembro de 2015.

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