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    The Boys: Critica da 1ª temporada

    A série de Eric Kripke (Supernatural) e Seth Rogen sabe brincar com uma visão incorreta do gênero de super-heróis, mas não sabe a hora de parar.

    Nota: 3,5/5,0

    Logo de cara, The Boys surge com dois grandes desafios. O primeiro é adaptar quadrinhos para TV, uma ideia cada vez mais frequente, mas raramente feita de forma certa. O segundo é tentar se destacar num universo de cultura pop saturado por super-heróis. E o projeto de Eric KripkeEvan Goldberg e Seth Rogen não tem medo de trazer uma nova visão para o gênero.

    Inspirada na obra de Garth Ennis e Darick Robertson, a história é ambientada numa Terra cheia de super-heróis, que são tratados como deuses. Porém, suas imagens também são consideradas marcas, movimentando bilhões em negócios, principalmente os integrantes do grupo Seven. Tudo começa quando um dos heróis de tal famosa equipe mata "por acidente" a namorada de Hughie (Jack Quaid) de forma brutal. O jovem tímido é convocado pelo misterioso Butcher (Karl Urban) numa missão para tentar derrubar tais poderosos, o que logo culminará no grupo de justiceiros do título. Paralelamente, a narrativa acompanha Starlight (Erin Moriarty), a nova contratada dos Seven, dona de uma visão idealista e decente, um forte contraste ao mundo cínico e cruel por trás das câmeras.

    Em sua estrutura, a primeira temporada é bem simples, focando na construção do grupo de protagonistas formado por Hughie, Butcher, Mother's Milk (Laz Alonso), Frenchie (Tomer Kapon) e, futuramente, The Female (Karen Fukuhara); onde cada plano ajuda a apresentar a complexa e perturbadora verdade ao redor dos Seven. Afinal, tirando Starlight, todos os heróis apresentados são babacas ou, minimamente, tem sérios problemas emocionais. E a série abusa para render o humor negro almejado.

    É recheada de momentos violentos, sangrentos, palavrões; mas tudo para fazer uma crítica sobre o mundo atual onde vivemos. As vezes funciona, as vezes não. Se existem tiradas incríveis e sagazes, certas tramas parecem só querer causar o maior incômodo possível; numa visão bem pessimista da realidade. Por exemplo, dentre momentos bem hilários, existe um arco envolvendo Starlight e Deep (Chace Crawford), um herói aquático, que tenta falar sobre masculinidade tóxica e abuso contra mulheres, mas culmina em algo difícil de ser visto — e que pode ser interpretado de forma bem errada por certos espectadores. Mesmo quando tenta virar o jogo, acaba trazendo mais estranheza do que evolução de personagem.

    Já renovada para a segunda temporada, sua ousadia é louvável e traz uma premissa interessante para as telas, principalmente se considerarmos que tal temporada é apenas uma introdução a tal universo, então veio chutando a porta, para poder aprofundá-la ao longo de mais episódios. Ao mesmo tempo, não chega a ser uma comédia sarcástica em sua totalidade, a ponto de justificar tantos absurdos. Por outro lado tal audácia não é vista em certas resoluções dramáticas, que são bem previsíveis. Tendo dito isso, uma sequência focada em Butcher, Mother's Milk e um bebê que solta lasers é uma das melhores coisas vistas na TV em 2019.

    Mas se The Boys acerta em algo é na construção desse universo. Toda a exploração midiática e financeira ao redor dos heróis, centrada na figura da executiva Madelyn Stillwell (Elisabeth Shue), é um trabalho impecável. Principalmente, em todos os momentos que explanam o marketing ao redor de tais figuras, rendendo alguns dos momentos mais divertidos da temporada. Novamente, sem ter medo de tocar em temas como religião, jornalismo e ética moral. Sem falar que é possível ver a atenção que a equipe teve nos detalhes, até em cenas onde tal aspecto não é o foco de determinada cena, cheia de easter-eggs que colocam a cereja nesse bolo. 

    Ao mesmo tempo, também diverte o espectador ver as referências aos heróis que tanto amamos fora de tal universo na construção das "marcas" de cada herói. Líder dos Seven, Homelander (Antony Starr) é uma mistura de Superman e Capitão América; Queen Maeve (Dominique McElligott) parece um cosplay de Mulher-Maravilha; A-Train (Jessie T. Usher) tem poderes iguais aos de Flash; enquanto Depp lembra Aquaman, inclusive na visão cômica que outros têm sobre ele. Não é um coincidência que Starlight é a única que parece ter um estilo próprio.

    Parte do mérito da série também recai no elenco, que funciona como grupo de maneira decente, mesmo com desafios bem absurdos. Karl Urban é o nome mais famoso e já está bem acostumado com esse papel de anti-herói políticamente incorrento e grosseiro. Por sua vez, se é para escolher um destaque, o cargo é Anthony Starr, que constrói um Homelander assustador, equilibrando esterótipo e psicopatia de forma eficaz, sendo o personagem que mais evolui na narrativa — não no sentido de melhorar como pessoa, mas ganhando significado na trama, vide as cenas com Madelyn, de uma Elisabeth Shue também ótima. 

    Já Jack Quaid e Erin Moriaty encontram desafios ao serem os protagonistas bonzinhos da história, correndo risco de ficarem irritantes. Mas ambos carregam bem suas funções (ele com humor, ela com carisma) e constroem uma química incrível. Surpreendentemente, quem deve conquistar o público é Tomer Kapon, que mistura humanidade e gracejos para roubar a cena como Frenchie, principalmente quando seu caminho cruza com The Female. Aliás, Karen Fukuhara merece palmas por sua bela performance, mesmo sem falas. Tomara que ela ganhe espaço cada vez maior, ainda mais após ter sido desperdiçada em Esquadrão Suicida.

    Fica aqui também uma ressalva para a participação de Simon Pegg, sempre algo agradável de se ver.

    Mesmo com uma trilha inspirada e piadas de cultura pop (Viva Spice Girls!), The Boys não é uma série para todo mundo. É possível que você dê uma chance, mas não consiga terminar ,ou não decidir se voltará para assistir a segunda temporada. E está tudo bem, pois trata-se de uma história mais carregada em sarcasmo e ceticismo, ao invés de tentar conquistar o espectador com identificação ou emoções. E é legal ter isso na TV, para fugir um pouco do caminho há trilhado pelos heróis de hoje em dia.

    Ainda não chegou lá, mas a série tem o potencial de ser um visão sagaz sobre a ambição. Ou pode te fazer perder esperança na humanidade. Por isso, aposta em rir da dor mesmo, pois é o que nos resta.

    The Boys chega ao catálogo da Amazon em 26 de julho.

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