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    O Mecanismo: “É a chance de poder fazer o meu Don Draper, meu Walter White, meu Tony Soprano”, diz Selton Mello no set da série da Netflix

    Confira os bastidores das filmagens da aguardada produção de José Padilha ‘livremente inspirada’ na Lava Jato.

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    Foi como participar de uma edição especial de um desses games interativos conhecidos como "Escape 60". Durante pouco mais de 60 minutos, o grupo de jornalistas passeou por salas, estações de trabalho, locutório, carceragem, escritórios como o do “juiz”, vasculhando pistas que ligassem os cenários de O Mecanismo ao noticiário “real” sobre a Lava Jato.

    Tudo porque o termo “livremente inspirado” (na controversa operação que vem revelando esquemas de corrupção na política brasileira) foi repetido à exaustão como um mantra pela equipe envolvida na produção da série original Netflix comandada por José Padilha, cujo set o AdoroCinema visitou em meados de agosto de 2017. (Ou “baseado em fatos surreais”, como brinca o protagonista Selton Mello).

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    “Polícia Federativa”, “Ministério Federal Público”, “PetroBrasil”, “Ricardo ‘Brecht” são só algumas expressões que a equipe da série optou por usar para mascarar os “personagens reais” dessa história. Pode soar ridículo, como um dos diretores assume, mas a decisão tem duas aplicações práticas.

    Primeiramente, de acordo com a produtora Malu Miranda, a medida serve como resguardo. Diferente das produções norte-americanas, onde é comum o uso da sigla FBI, por exemplo, aqui tratam-se de “marcas registradas”. Por outro lado, o descolamento, em tese, garante a independência criativa dos envolvidos na série – numa nítida oposição a outra produção nacional que tem a Lava Jato (“Lava Rápido”?) como pano de fundo, Polícia Federal – A Lei É para Todos, filme que teve todo apoio técnico da PF, inclusive com a cessão de suas dependências em Curitiba, assessoria e até helicópteros para a realização do longa de Marcelo Antunez.

    “Assim como a gente fez no Tropa de Elite, no 1 e 2, a gente misturou [os elementos]. Quem era o governador naquela época? Você não sabe… A invasão do presídio foi na [época do governo] Benedita? Então, a gente misturou momentos históricos ali”, desconversa Marcos Prado, produtor dos filmes com o Capitão Nascimento, responsável pela direção dos episódios 4, 5 e 6 (de um total de 8) de O Mecanismo.

    Segundo Daniel Rezende (ao diretor de Bingo - O Rei das Manhãs coube o comando dos dois últimos capítulos), o objetivo aqui é “Entender e decifrar esse processo, essa engrenagem de como as coisas funcionam. E que vai do mais alto escalão até o ser humano que falsifica carteirinha de estudante para pagar meia no show".

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    Os estúdios onde aconteciam as filmagens naquele dia nem sequer eram estúdios originalmente. A produção alugou um prédio comercial desativado de 12 mil m² no bairro do Santo Cristo, região portuária do Rio de Janeiro, onde preencheu dois andares com os cenários da série. Os escritórios e carceragens da “Polícia Federativa” foram erguidos no terceiro andar, enquanto sede do “Ministério Federal Público” e “13ª vara de justiça” (onde “o juiz” despacha) subiram para o sexto. “Agora, todo mundo quer gravar aqui”, ironizou a produtora.

    Da recepção às bancadas, passando por persianas e computadores, tudo estalava de novo no set, que contava, inclusive, com grades de ferro encerrando os ambientes prisionais (que facilmente poderiam ser de madeira, ou outro material mais barato, pintada). Depois que o governo Temer contingenciou 44% do orçamento da Polícia Federal em maio de 2017 – reduzindo, inclusive, o efetivo da Lava Jato –, o Ministério da Justiça bem que podia recorrer a um empréstimo com a Netflix, que não tem revela os orçamentos de suas produções.

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    Na primeira cena, que durou pouco mais de 30 segundos, a agente Verena Cardone (Carol Abras, de Gabriel e a Montanha) reclama com os colegas interpretados por Jonathan HaagensenOsvaldo Mil sobre a burocracia para se incriminar 13 peixes grandes envolvidos em corrupção – e de dores abdominais.

    Na última, o trio, filmado de costas, observa um cronograma na parede ligando os 13 operadores do tal “mecanismo”. “Metade do PIB do Brasil dormindo na nossa carceragem”, conclui a personagem de Abras na cena que estará no sétimo episódio da série.

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    Com Marco Ruffo (Selton Mello), Verena forma a dupla de protagonistas da série. “Quando eu li [que era] uma protagonista mulher, jovem e dentro de um contexto que é extremamente masculino… Isso me fez brilhar os olhos”. Segundo a atriz, a personagem é uma costura “de várias mulheres fortes” feita pela roteirista - e também showrunnerElena Soarez (Filhos do Carnaval).

    Já Enrique Diaz ganhou o antagonismo da série em que interpreta um doleiro, Roberto Ibrahim. “Não é um político e nem um empresário. É um negociador, um facilitador. Me parece que o que menos importa é a profissão dele e sim a função dentro desse sistema”, garante o ator. O personagem foi amigo do policial afastado interpretado por Selton. Apesar da "carinha" de ficção, a relação dos dois é baseada em um fato ("surreal"?)

    “É real, eles foram amigos de infância. Eles foram, sei lá, colegas na escola, ou algo do gênero”, conta Selton, cujo personagem tem raízes no investigador Gerson Machado, tido como uma figura central para o início da Lava-Jato, mas que não teve os mesmos holofotes que outras peças tiveram, como lembra o ator. Selton, no entanto, optou por não conhecer a figura real, para evitar a “contaminação” do trabalho. “A a gente tem uma relação forte na série, uma espécie de gato e rato. Tem algo de Heat (Fogo Contra Fogo), do Michael Mann, nessa série”, resume.

    Pedro Saad/ Karima Shehata/ Netflix

    Selton, aliás, não poupa seu Marco Ruffo (“o novo personagem icônico de José Padilha”, na opinião do ator) de elogios - e referências. “E eu vi no Marco Ruffo uma chance de poder finalmente fazer o meu Don Draper [Mad Men], o meu Walter White [Breaking Bad], o meu Tony Soprano [Família Soprano]. Herói, anti-herói, eu não sei como se chama, porque é um personagem complexo, como são os das séries".

    Apesar da visível paixão pelo personagem, não se pode afirmar que foi amor à primeira vista. “Não foi um trabalho [que eu aceitei] assim ‘vamos nessa’, num estalar de dedos. Eu dei uma pensada boa, mas eu gosto muito do trabalho dele [José Padilha] desde Ônibus 174. “Pedi a benção para o Wagner [Moura, parceiro profissional de Padilha, com quem tem demostrado desavenças políticas] para fazer esse trabalho”.

    Prado, inclusive, desmente o rumor inicial de que Moura teria sido convidado para - e recusado - o papel: “Como o Zé e o Wagner são amigos, conversam e discutem. Não teve nada disso. Era mais por questão de agenda e pelo posicionamento de cada um também, que por serem um pouco opostos, a gente nem pensou no Wagner”.

    A despeito das defesas políticas do showrunner (que dirige o piloto), que já foram alvo de críticas à esquerda e à direita, Selton avisa: “E eu acho que o Padilha cidadão, o Padilha que escreve as coisas [como colunista do jornal O Globo] é um Padilha que todos conhecemos, mas as pessoas vão se surpreender muito com o que ele está fazendo na Netflix”. “'O mecanismo' não é partidário, não é ideológico e a série também não. A série é Zé Padilha, corajoso como sempre, fazendo mais uma vez um trabalho que é tiroteio para todos os lados".

    “Eu digo o seguinte: Eu não gostava de política e estudei sobre política um pouco para fazer essa série. Agora eu posso dizer que eu não gosto de política”, brinca o ator que, no entanto, adianta: “O fim do Tropa 2 é um teaser para O Mecanismo". "Se ali era uma coisa mais Rio, agora é o Brasil”.

    Felipe Prado (episódios 2 e 3) completa o time de diretores da série, que chega à Netflix em  23 março.

     

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