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    A Queda da Casa de Usher: Mike Flanagan se despede da Netflix com mergulho aos horrores da humanidade (Crítica)
    Diego Souza Carlos
    Apaixonado por cultura pop, latinidades e karê, Diego ama as surpresas de Jordan Peele, Guillermo del Toro e Anna Muylaert. Entusiasta do MCU, se aventura em estudar e falar sobre cinema, TV e games.

    Adaptação de conto homônimo de Edgar Allan Poe, série chega ao catálogo do streaming com oito episódios.

    Os últimos anos são facilmente reconhecidos como um período prolífico para histórias de terror no audiovisual, principalmente quando o assunto é cinema. Apesar da dificuldade em conduzir grandes histórias seriadas com base no gênero, Mike Flanagan se tornou conhecido por sua linguagem única ao apresentar ao mundo (para a felicidade da Netflix) séries como A Maldição da Residência Hill, A Maldição da Mansão Bly e, agora, A Queda da Casa de Usher.

    Baseada principalmente na obra homônima de Edgar Allan Poe, mas não apenas nela, a trama acompanha os implacáveis irmãos Roderick (Bruce Greenwood) e Madeline Usher (Mary McDonnell). Juntos, os gêmeos transformaram a Farmacêutica Fortunato em um império de riqueza, privilégios e poder. Mas os segredos do passado vêm à tona quando os herdeiros da dinastia Usher começam a morrer nas mãos de uma mulher misteriosa.

    A Queda da Casa de Usher
    A Queda da Casa de Usher
    Data de lançamento 2023-10-12 | min
    Séries : A Queda da Casa de Usher
    Com Carla Gugino, Bruce Greenwood, Mary McDonnell
    Usuários
    4,0
    Assistir em streaming

    Com oito episódios, a narrativa se apoia dentro de algumas das melhores qualidades do cineasta responsável pela densa minissérie Missa da Meia-Noite, mas diferente da trama de demônios e vampiros estrelada por Kate Siegel e Zach Gilford, estrelas que retomam a colaboração com o produtor nesta nova empreitada, abandona-se um pouco da espiritualidade para fazer um breve estudo sobre a mediocridade e a ganância humana.

    No melhor e no pior de Mike Flanagan

    Netflix

    Logo nos primeiros minutos do episódio de abertura, ao som de “Another Brick in the Wall”, do Pink Floyd, muitos vão entender certos maneirismos que serão seguidos durante toda a série. Isso vai da montagem à própria forma como o show será conduzido. Há um mecanismo que dita, através da história, a forma como cada capítulo se desenrolará - com direito a uma precisão quase exata do desencadear de determinados acontecimentos.

    É bacana ver como Flanagan continua “jogando no time que está ganhando” em muitos momentos. Um exemplo disso é a forma como usa a escuridão ao seu favor e sabe usar contrastes para criar ambientes soturnos e fascinantes. Como muitos fãs de terror sabem, não é nada fácil trabalhar com a noite, com ambientes mal iluminados. Ao direcionar pontos de luz aos seus astros em cenas estratégicas, ele consegue revelar a monstruosidade humana de seus personagens. Assim, o produtor alimenta o lado lúdico da série sem abandonar sem se apoiar totalmente no sobrenatural.

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    Para os telespectadores já acostumados com as obras do autor, é válido citar que as tradicionais “pegadinhas visuais” - de fantasmas ao fundo aos típicos olhos brilhantes - estão no escopo da série. Menos, mas estão lá. Além disso, a diversidade das relações dentro da trama são sempre muito bem-vindas. Não é a primeira vez e provavelmente não será a última em que Flanagan coloca diferentes formações familiares dentro de suas histórias, todas tratadas de forma orgânica, um ganho para a pluralidade da narrativa.

    Outros momentos brilhantes da produção, no aspecto técnico, estão vinculados ao uso de efeitos práticos. Alinhada à fotografia que constrói uma estética urbana de maneira fabular - com auxílio imprescindível da trilha sonora -, certas escolhas da direção de arte, criativas e potencialmente mais difíceis de se realizar, deixam a história ainda mais aterrorizante. Porém, quando a utilização de um CGI grosseiro invade a tela, toda a atmosfera se desmancha - com destaque para o capítulo final, em que um discurso poderoso é enfraquecido por uma tela verde nada generosa à narrativa.

    Slasher sobrenatural?

    Netflix

    Apesar dos ganhos em relação aos trabalhos anteriores do produtor, existe dificuldade em balancear o excesso de personagens desta poderosa família para além da dupla principal. Isso faz com que bons atores não alcancem seu potencial em tela, além de minar importantes informações sobre seus personagens e deixá-los, em sua maioria, fadados à superficialidade.

    Ainda assim, a reunião de astros que já trabalharam com o artista funciona como uma forma de prestigiar bons trabalhos e oferecer ao público a oportunidade de se deleitar com performances competentes que apontarão características peculiares de cada um dos sucessores de Roderick.

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    Algo que pode prejudicar a experiência de uma parcela da audiência é o fato que o desfecho da história torna-se de conhecimento geral logo no início da trama. Com essa informação revelada cedo demais e uma perceptível ideia estrutural episódica, a narrativa se vê enfraquecida com o tempo. Então, por que ficar? Por que engatar em capítulos com 1h de duração ou mais? A resposta está, talvez, no como, no onde e nos porquês.

    Pode-se dizer que a série traça uma espécie de slasher sobrenatural, um jogo de gato e rato tecido através da morte de vários membros da família Usher. Todavia, ao invés de apresentar o clássico “Quem matou”, a narrativa conduz a audiência a se questionar o que essa chacina significa dentro da grande equação.

    Verna, interpretada brilhantemente por Carla Gugino, é o fio que liga todos estes momentos emblemáticos da história. Ao desenrolar dos capítulos, a sua presença se torna cada vez mais constante. Aqui, observa-se que o diretor entregou à atriz um papel que se desdobra em muitos com tranquilidade, algo que apenas uma artista versátil poderia encarar com aparente tranquilidade.

    OS HORRORES DA HUMANIDADE

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    Ironizado episódio após episódio, um discurso seguido por toda a trama é a ideia de que o medicamento carro-chefe do império dos Usher veio à tona para criar “um mundo sem dor” - a partir daí tudo está na contramão. Esta família, por exemplo, é tomada por um sofrimento latente causado por uma simbiótica relação com o montante de dinheiro que ostentam. Assim como estas relações complexas foram criadas a partir de uma base corrompida, a Casa Usher cresceu aos olhos do mundo justamente através da dor das milhões de pessoas mortas ou viciadas após entrar em contato com essa “pílula salvadora”.

    Por meio de Roderick Usher (Greenwood) e C. Auguste Dupin (Carl Lumbly) a discussão sobre o efeito negativo de grandes corporações na vida das pessoas comuns é pautada. Os personagens representam uma batalha não necessariamente do mal contra o bem, mas de duas forças complexas da vida real.

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    Esses arquétipos, do figurão bilionário da indústria farmacêutica versus um detetive em busca de justiça, estão ali para criar uma alegoria da sociedade fadada a se autodestruir e levar o planeta junto consigo. Abandonando a espiritualidade para investigar problemáticas da maldade humana, ainda que sustentadas no sobrenatural, Flanagan estabelece um conto único em que violência e a fraqueza humana estão em exposição.

    Ao fim, A Queda da Casa de Usher consegue ser uma boa despedida de Mike Flanagan de sua trajetória de sucesso na Netflix. Pronto para desembarcar em novos ares, o cineasta entrega um compilado elegante sobre alguns dos escritos mais tenebrosos e curiosos de Edgar Allan Poe. Apesar de uma estrutura que delata o próximo passo e, por muitas vezes não oferece reais surpresas, a série ainda tem seu charme por apresentar uma tragédia anunciada não apenas de uma família de bilionários, mas da nossa própria humanidade.

    A Queda da Casa de Usher chega ao catálogo da Netflix em 12 de outubro.

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