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    "Experimental" e "mutante": Gustavo Jahn e Melissa Dullius falam sobre Muito Romântico (Entrevista exclusiva)

    Um filme autobiográfico, muito diferente da média das produções nacionais.

    Chega aos cinemas nesta quinta-feira o drama Muito Romântico, dirigido, escrito e estrelado pela dupla Gustavo Jahn e Melissa Dullius. O filme representou o Brasil nos festivais internacionais de Berlim, Turim e Melbourne. 

    No filme, os cineastas retratam a sua própria experiência ao deixar o Brasil e se mudar para a Alemanha. Ao mesmo tempo, experimentam diferentes tipos de imagem e concepções de romantismo. O AdoroCinema conversou em exclusividade com Gustavo e Melissa:

    Vocês definem Muito Romântico como um filme experimental?

    Gustavo Jahn: A resposta depende um pouco do contexto. Quando a gente morava no Brasil e fazia cinema aqui, a ideia de cinema experimental era próxima a uma tradição, àquele termo cunhado pelo Jairo Ferreira do "cinema de invenção". Era o cinema do Bressane, por exemplo.

    Na Europa, o cinema experimental é algo bem específico. Tem uma tradição ligada à Academia (nos Estados Unidos e na Europa), de um cinema que começa com Maya Deren, passa pela cena dos anos 1960 com Andy Warhol, Jack Smith, chega ao estruturalismo... Mas a gente não se sente tão próximo disso. Na Europa, nossos filmes às vezes entram num circuito semi-experimental, mesmo sem combinar 100% com o que está sendo mostrado ali.

    Então, a gente se identifica com uma ideia de cinema experimental tropical. Qual é a marca do cinema experimental? É o gosto pela pesquisa de materiais, pela pesquisa de imagens, pela pesquisa de estética, a pesquisa formal. Nossos filmes têm isso, mas também gostamos de narrativas, de contar histórias. 

    De qualquer modo, o filme seria autoral no sentido clássico do termo, por ter pessoas controlando todo o processo de criação, desde o roteiro, montagem, atuação e direção. 

    Melissa Dullius: A gente começou a fazer filmes em 2001, com nosso primeiro Super 8. São mais de 15 anos, não como dupla de diretores, mas pelo menos como produtores e montadores dos nossos filmes, antes de sermos uma dupla.

    Existe o controle, sim, o controle da forma final. Ou talvez seja mais a decisão do que o controle, porque não controlamos tudo, e o processo envolve muita gente. Esse filme não é um trabalho só nosso. Criamos condições para ele acontecer, mas muitas pessoas colaboraram.

    Nós nunca estudamos cinema, nem arte, somos autodidatas neste sentido e começamos a criar num grupo com outras pessoas, sempre trocando e aprendendo com os outros, encontrando a nossa maneira de fazer. Não sei até que ponto se trata de uma escolha.

    Como veem o espaço de exibição para um filme como Muito Romântico hoje?

    Gustavo Jahn: Vejo de maneira positiva. O filme tem passado primeiramente em festivais, que é o escoamento normal de quase todo o cinema autoral. Muito Romântico tem passado em lugares muito diferentes e criado um diálogo com as pessoas.

    Mas o cinema hoje perdeu muito da importância que tinha, vamos dizer, 30 ou 40 anos atrás como evento social. O que era o cinema na época do Pasolini, do Godard? Mesmo que a pessoa não estivesse ligada ao mundo do cinema, ela tinha esses nomes na cabeça e sabia que isso estava inserido em um grande movimento da juventude da época. Enfim, o cinema foi crescendo e chegou ao auge nos anos 1960, 1970 e 1980, e depois perdeu muito da sua importância social.

    Isso tem um lado nostálgico: São Paulo é uma cidade em que as pessoas ainda vão às ruas para ver filmes, mas em certos lugares esta prática é cada vez mais rara. Por outro lado, as pessoas estão mais abertas, não só o público jovem mas pessoas em geral. Talvez antes existisse uma ideia muito clara do que um filme deveria ser. Isso tem a ver com os avanços tecnológicos, e também com o significado do cinema nas nossas vidas atualmente. Neste sentido, existe espaço para filmes como Muito Romântico, que procura a sua própria linguagem. As pessoas fazem filmes de maneiras bem diferentes e eu espero que tenha cada vez mais espaço para diferentes tipos de sensibilidades.

    É uma contradição: ao mesmo tempo em que tudo parece estar se fechando com uma onda de conservadorismo, por outro, existe um movimento de afloramento de diferentes sensibilidades, de aceitação. É sempre uma luta.

    Melissa Dullius: Depois de mais de um ano exibindo o filme percebi algo: a questão de ser em duas ou três línguas cria uma simetria boa, porque ninguém sente que se trata de um filme só brasileiro, ou só alemão. Ele tem um caráter internacional que condiz com a gente. Isso aproxima as pessoas do filme, sem deixar claro de onde ele é, nem seu gênero. Ele foi exibido num festival suíço dentro do foco de documentários sobre artistas. Para eles, o nosso filme era um autorretrato documental sobre artistas.

    Muito Romântico flerta com o gênero. Seria um documentário com toques fantásticos...

    Melissa Dullius: Sim, é curioso falar de documentário assim, nunca fizemos nada estritamente documental. Não nos vemos como documentaristas. Depois, um cineasta que faz filmes estritamente experimentais nos disse: “Adoro a primeira parte, do navio. O resto, eu não sei”. As pessoas podem pegar o que gostam no filme, elas têm a liberdade de escolher. Elas têm se aproximado do filme, pegando por um lado ou como um todo. 

    Afinal, é um cinema de montagem. Talvez a gente possa falar que o cinema autoral é criado na montagem. Ele tinha sido planejado antes, é claro, mas se decide na montagem, quando existe uma conversa mais profunda entre nós dois.

    O título é igualmente interessante. Ele pode sugerir um romantismo convencional que não existe no filme.

    Gustavo Jahn: A gente escolheu manter o título em português em qualquer lugar do mundo, porque ele tem um sentido duplo. Ele é “muito romântico” no sentido positivo, mas também pode ser lido como demasiadamente romântico. Essa incerteza diz muito sobre o filme.

    Algumas pessoas disseram: "Vocês foram irônicos!”. Talvez tenha um pouco de ironia, mas ao mesmo tempo existe uma crença no romantismo em vários sentidos: na maneira  de pegar um navio para fazer uma viagem, de fazer um filme em película 16mm, de viver uma vida a dois como uma aventura e fazer dessa aventura algo que se transforme em cinema.

    É um filme em que os personagens mudam durante o filme. O filme é mutante, ele começa de uma maneira, se transforma em outra coisa e as pessoas podem acessar de maneira diferente, então o romantismo é mais um aspecto dele.

    Ele também pode ser considerado romântico não no sentido amoroso, e sim como gênero artístico.

    Melissa Dullius: Com certeza. Veja o romantismo, que parece uma coisa internacional, mas no Brasil a gente tem um romantismo no século XIX muito paulista, regional. O romantismo na Alemanha também é muito específico. Na Rússia, uma pessoa me disse: “Tenho que fazer uma correção: o filme não é romântico, ele é mais simbolista”. A gente flerta com coisas, ele não é exato. Mas essa abertura é boa. Parece internacional, mesmo o conceito. Além disso, o título homenageia a canção do Caetano.

    Gustavo Jahn: Que também é mais uma citação do que uma homenagem. 

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