Discutir sobre "o melhor filme de todos os tempos" é um daqueles exercícios tão fascinantes quanto inúteis. Não há consenso definitivo. Mesmo assim, existem títulos que retornam repetidamente à conversa, como se o cânone precisasse ser reafirmado. Um deles é Touro Indomável (1980), o filme de Martin Scorsese estrelado por Robert De Niro, que muitos críticos, cineastas e acadêmicos defenderam como o ápice absoluto do cinema. Ou pelo menos era assim… até Stephen King decidir dizer "não".
Stephen King revive controvérsia sobre Touro Indomável, de Martin Scorsese
A faísca foi acesa pela escritora Megan Abbott, que afirmou nas redes sociais que o filme de boxe de Scorsese continua sendo, sem dúvida, o melhor filme já feito. A resposta de King não poderia ter sido mais sucinta ou mais incendiária: "Desculpe, mas não". Sem argumentos, sem nuances, sem maiores explicações. Apenas essa negação categórica, suficiente para reacender um debate que parecia relegado aos anais da história do cinema.
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A opinião do autor de It - A Coisa tem um peso significativo. Além de ser um dos escritores mais adaptados de todos os tempos, Stephen King é um ávido espectador, atento ao cinema e à televisão contemporâneos. Sua relação com a tela grande sempre foi complexa, até mesmo desconfortável. Basta lembrar sua agora lendária animosidade em relação a O Iluminado, de Stanley Kubrick, um filme reverenciado por milhões e que, paradoxalmente, adapta um de seus romances mais aclamados. Para King, a frieza de Kubrick traiu o cerne emocional de sua história, uma posição que ele mantém há décadas.
A rejeição de King a Touro Indomável como "o melhor filme já feito" não significa necessariamente que ele o considere um filme ruim. Em vez disso, parece ser uma reação ao absolutismo com que certos títulos são elevados a um pedestal inabalável. A decadência moral de Scorsese, De Niro e Jake LaMotta já foi analisada à exaustão: o preto e branco agressivo, a violência quase ritualística, a masculinidade ferida se desintegrando diante da câmera. Tudo isso permanece intocado. O que King questiona é a própria ideia de que exista uma obra definitiva e inquestionável.
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O comentário também nos convida a olhar para outro lugar: 1980 foi um ano crucial para as adaptações de King, e não é coincidência que sua resposta esteja impregnada dessa memória pessoal. O escritor nunca escondeu o fato de que valoriza acima de tudo os filmes que, mesmo que imperfeitos, se conectam com seu universo narrativo e emocional. Nesse sentido, seus critérios raramente se alinham com rankings canônicos.
Hoje, com novas adaptações de sua obra chegando aos cinemas e plataformas de streaming, Stephen King demonstra que não tem interesse em ceder ao consenso. Seu "desculpe, mas não" não é uma provocação gratuita, mas um lembrete: o cinema, assim como a literatura, prospera na discordância. E talvez aí resida sua verdadeira grandeza.