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    Close: Indicado ao Oscar, Lukas Dhont reafirma desconstrução da masculinidade em seu novo filme (Entrevista)
    Rafael Felizardo
    Rafael Felizardo
    -Redator | Crítico
    Sonhador desde pequeno e apaixonado por cinema de A a Z, encontrou em David Lynch um modo de sonhar acordado.

    Concorrendo à categoria de Melhor Filme Internacional, Close apresenta um drama saído diretamente da Bélgica.

    Na manhã do dia 24 de janeiro, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas apresentou ao mundo os indicados ao Oscar 2023, a premiação de maior prestígio da indústria cinematográfica. Através de uma cerimônia aguardada por cinéfilos de todas as partes do mundo, pudemos conferir o anúncio de dezenas de títulos milionários - assim como alguns longas sem tanta badalação assim.

    Encaixando-se nesse último grupo, mais especificamente em uma categoria chamada de “Melhor Filme Internacional”, surgiram para o mainstream nomes como EO, The Quiet Girl, Argentina, 1895 e Close; e é exatamente desse último citado que, hoje, falaremos aqui.

    Com direção assinada por Lukas Dhont, Close é um drama de origem belga que conta a história de amizade entre os jovens Leo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), ambos de 13 anos de idade. Na trama, após serem julgados pelos amigos por possuírem uma amizade “íntima demais”, os dois acabam se distanciando, deixando feridas pelo caminho que podem mudar definitivamente suas vidas.

    Desta forma, o AdoroCinema teve o prazer de conversar com Dhont a respeito de seu longa-metragem, abordando assuntos como masculinidade, estereótipos, personagens e também a própria vida do diretor. Confira abaixo o resultado desta entrevista:

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    Close é um filme bastante intimista que aborda a relação de amizade entre dois jovens. Acho que uma das coisas que mais me impressionou foi o sutil caminho tomado para abordar momentos privados da vida desses meninos. Quais foram as primeiras decisões que você tomou em termos de processo de escrita?

    Lukas: Como é o meu segundo filme, de várias maneiras, eu queria fazê-lo como uma peça complementar para o primeiro [Girl], que entre muitas coisas, é uma obra sobre feminilidade. Eu sabia que queria fazer, neste longa, algo sobre a masculinidade. Eu tive essa realização de estar filmando mais do que homens brigando. De estar filmando homens dando suporte um ao outro. Existia o desejo de ver intimidade nesse universo masculino.

    Quando pensei sobre as amizades jovens que tive com meninos, eu lembrei aquele momento onde, durante a puberdade, eu comecei a ter medo dos relacionamentos, porque intimidade não é algo que vemos muito entre homens. Nós colocamos que intimidade é para ser desenvolvida no sexo e não na amizade. Então, eu sinto que as mulheres têm feito um trabalho muito melhor em estar intimamente presentes umas para as outras, também porque elas receberam esse espaço. Assim, talvez o desejo político para essa história tenha surgido desse tipo de prisma muito pessoal, armazenado na história de uma jovem amizade e como vivemos em um mundo que separa esses jovens.

    No filme, Léo e Remi se tornam dois lados da mesma moeda. O que você fez para preparar os dois atores para a gravação?

    Lukas: Bem, acho que, antes de tudo, a questão é não subestimar a inteligência deles. Acho que podemos aprender muito ouvindo jovens de 13 anos, porque quando realmente os ouvimos, sinto que há uma espécie de radicalismo puro nas coisas que eles dizem. Às vezes, como adultos, tendemos a esquecer que eles ainda estão tão intimamente ligados ao coração. Eles não dizem coisas porque acham que é esperado ou aceito. Dizem coisas porque as sentem.

    E então, quando conheci Eden e Gustav, e quando senti a química que eles compartilhavam, eles leram o roteiro e tivemos uma conversa muito aberta sobre esses temas. Você sabe, eles estão naquela idade frágil. Eles são jovens crescendo neste mundo. Eles são confrontados com a perda, seja ela definitiva ou indefinida. E acho que essa conversa moldou de várias maneiras o que é o resultado do filme.

    Eles leram o roteiro apenas uma vez. Pedi deliberadamente que fosse dessa maneira, pois queria evitar a sensação de que estivessem ali para copiar um texto, como na escola. Queria torná-los colaborativos, criativos (...) E eu acho que eles se tornaram, sabe? Eles se tornam muito ativos neste processo. Eles têm a sensação de que se tornaram co-autores. E eu acho que é importante. E acho que quando eles entendem por que estamos fazendo isso, quando entendem por que estamos fazendo este filme, tudo se torna muito mais fácil.

    Não é tão comum vermos esse tipo de intimidade entre o sexo masculino nas grandes telas. Você acha que uma obra com esse tipo de abordagem exige uma nova espécie de linguagem em set?

    Lukas: Sim. Eu acho que a revolução pode ser suave. A gente tende a pensar que ela precisa ser dura e brutal, mas ela pode ser afetuosa. Por um longo tempo eu considerei minha própria ternura a minha fraqueza. Mas não considero mais. Então, agora, eu acredito mais na força da vulnerabilidade. Ao crescer, eu achava que a ternura era algo a ser escondida. Vivemos em um mundo onde a masculinidade e a virilidade são muitas das vezes vistas como a mesma coisa.

    Há um ditado no qual eu acredito fortemente. E eu não sei se sempre acreditei nisso. Claro, é um ideal. É algo pelo qual você se esforça. Eu também sou falho e cometerei muitos erros. Mas, “se quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá acompanhado”. Acho que é assim que se faz um filme.

    Em termos de cinematografia, Close tem uma proeza visual que conversa muito através das cores, como o vermelho, o magenta… O que você tentou alcançar com essa paleta?

    Lukas: Quando eu era jovem, minha mãe era professora. E quando ela tinha tempo livre, ela sempre pintava. Eu sentava perto dela. Então, eu percebi muito cedo como a criatividade está bastante ligada ao uso expressivo das cores. E mesmo que eu ache que tenho uma abordagem muito documental com os atores, tendo a procurar de verdade uma abordagem muito estilística na linguagem visual do filme, onde a cor e a luz são usadas de uma forma muito simbólica e metafórica.

    Às vezes, por exemplo, as cores dos campos de flores, que são de certa cor no início, são modificadas quando o tom do filme se transforma, dando lugar à terra e ao marrom, anunciando uma mudança. Um pouco como a sequência de abertura do filme Veludo Azul, do David Lynch. No meio do filme, há esse momento onde eu preciso do impacto da violência. Há essa ideia de uma porta sendo quebrada, de alguém querendo entrar em algum lugar… Nessa parte, pensei que funcionaria melhor se tivesse esse tom de vermelho, que lhe faz sentir algo se aproximando. Eu também sabia que o uso do vermelho no início do filme poderia dar um tom completamente diferente, que seria parte do lugar seguro deles [personagens], do porto, do paraíso.

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    Então, é nessa transformação de tonalidade que eu tento buscar sentido também, por exemplo, no figurino do Leo. Ele começa branco, havendo essa representação da inocência infantil. Pouco a pouco, ao longo do filme, seus trajes se tornam mais amarelos sujos; marrom sujos; sujos. Podemos ver esse tipo de representação da perda da inocência em seus figurinos.

    Atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros, Close chega à plataforma de streaming MUBI no dia 21 de abril.

    Close
    Close
    Criador(es): Lukas Dhont
    Com Eden Dambrine, Gustav De Waele, Emilie Dequenne
    Data de lançamento 2 de março de 2023
    Assista agora em MUBI
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