O Telefone Preto 2
Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
O Telefone Preto 2

Terror com Ethan Hawke pisa no acelerador em história sobrenatural com inspiração em grande clássico do cinema

por Diego Souza Carlos

É difícil chegar quando a festa já está rolando há muito tempo e encontrar sua turma, seu jeito de dançar, mas quem quer fazer parte precisa se reinventar, precisa aparecer. Quando pensamos que o cinema, embora novo, já tenha ultrapassado um século de existência, é comum chegar ao consenso de que para curtir a festa da sétima arte e atingir um frescor é extremamente difícil.

Falando especificamente sobre a safra dos filmes de terror, seriam precisos dias, meses e muitos anos de conversas para abordar a superfície de todas as ramificações que surgiram desde o primeiro susto. Ainda bem que a tarefa não tem sido levada com leviandade por novos cineastas e O Telefone Preto 2 é a prova de que é possível criar boas narrativas que, mesmo sustentadas em ideias do passado, conseguem transmitir a ideia de movimento.

A trama se passa quatro anos após a fuga de Finn (Mason Thames) e a morte do Sequestrador (Ethan Hawke). Apesar do tempo, Finn ainda lida com os traumas do sequestro, enquanto Gwen (Madeleine McGraw) começa a receber ligações em sonhos que a levam até um acampamento de inverno marcado por mistérios e visões de vítimas desconhecidas. Em meio a uma nevasca, os irmãos precisarão enfrentar uma presença ainda mais sombria: um inimigo que, mesmo após a morte, se mostra mais poderoso do que nunca.

O Telefone Preto 2 quebra a maldição das sequências

Blumhouse

Quem adora cinema com certeza já ouviu ou observou como operam sequências comuns. Fala-se em maldição, pois a difícil missão de superar a obra original e apresentar novos elementos pode corresponder à prova de fogo pela durabilidade de uma franquia que acaba de nascer. Em um momento tomado por tantas revitalizações, ter algo realmente novo se torna uma edição dos Jogos Vorazes da indústria do entretenimento.

Responsável por filmes memoráveis dos anos 2000, como O Exorcismo de Emily Rose, O Dia em que a Terra Parou e A Entidade, Scott Derrickson parece não sofrer das pressões externas - pelo menos não das mercadológicas - ao mostrar como o retorno à cadeira de diretor foi uma boa decisão da Blumhouse e Universal Pictures.

Blumhouse

Se o primeiro filme tenta deixar os pés no chão quanto à investigação dos garotos desaparecidos em meio ao inevitável sobrenatural, o segundo utiliza o mistério principal para brincar com as possibilidades da mitologia ao mesmo tempo em que homenageia filmes de terror dos anos 1980, época em que se passa a história. Faz isso sem deixar de atualizar seus personagens diante dos acontecimentos do passado. Enquanto o garoto utiliza a violência e escapismos psicotrópicos para desviar do trauma, a garota passa pelas tribulações do dom que enxerga como maldição.

É comum vermos esse tipo de estrutura quando temos adolescentes no foco da ação: aqui, o descontrole dessa sensibilidade se relaciona com a perda definitiva da inocência, a puberdade, a forma como o crescer pode ser doloroso diante de um mundo que se revela cada vez mais cruel. Se anteriormente vimos como a infância deles foi construída com base no medo, a juventude trata de consequências, revoltas e, enfim, o crescimento no contra-ataque e na identidade.

Da exploração do sobrenatural à inspiração nos anos 1980

Blumhouse

Gwen é tão protagonista ou até mais do que seu irmão, pois ela representa o verdadeiro fio condutor da narrativa - e isso, meus caros, foi uma ótima escolha quando se comparam as performances dos atores. No título lançado há quatro anos, Madeleine já demonstrava uma maturidade artística para a pouca idade e agora é possível enxergar uma final girl de futuras entradas de terror com sua presença.

Essa abertura para outros tipos de atuação por parte da atriz está em um roteiro que, embora ceda a costumeiros clichês e das conveniências já vistas em O Telefone Preto, não tem vergonha de usar ferramentas criativas do audiovisual para fazer algumas homenagens ao horror oitentista. O maior eco e referência do projeto é A Hora do Pesadelo, um prato cheio para os fãs de Freddy Krueger, mas há toques de O Iluminado, Sexta-Feira 13 e Chamas da Morte.

Blumhouse

O diretor utiliza rimas visuais para expandir e subverter perspectivas estabelecidas, algo encorpado especialmente nos sonhos da adolescente. Ao trocar a identidade visual entre o mundo real e esse mundo paralelo, o cineasta vai esticando cada vez mais as aberturas para a fantasia. Aos poucos, ele abraça o lúdico sem abrir mão do apuro estético.

O trabalho do diretor de fotografia, Pär M. Ekberg, que trabalhou em clipes musicais de Lady Gaga e Beyoncé, em conjunto da diretora de arte, Joyce McPherson (The Handmaid's Tale), e da designer de produção, Patti Podesta (Amnésia), é responsável por dar beleza à frieza original dos cenários. Aqui, nega-se a estética fria para dar lugar a construções variadas.

Com o retorno do formato Super 8 com câmeras Bolex, a textura ganha outra dimensão (literalmente) através de imagens granuladas. O recurso reforça a diferenciação entre o mundo real e o sobrenatural, mas também cria sequências mais livres e criativas quando Gwen está sonhando. Essa dinâmica ajuda a entregar alguns momentos de tensão somados a pitadas do trash, do exagero, dá ao filme não apenas uma personalidade estética, mas também traz um tipo inesperado de entretenimento para a audiência.

Uma nova encarnação do mal

Blumhouse

A promessa do diretor de um filme mais agressivo é cumprida, já que agora acompanhamos trechos de algumas mortes. O que torna tudo mais desafiador é o fato de que as vítimas são crianças, assim como no projeto anterior. Essa premissa de um assassino que persegue garotos, mesmo que mude de perspectiva nesta sequência, é um ponto delicado que amedronta de duas formas: pelo terror fantasmagórico da produção e pelo fato de que coisas assim, levando as óbvias proporções, também acontecem fora das telas.

O retorno do Sequestrador deixou parte do público meio confuso, já que ele supostamente havia morrido no encerramento do filme original. Como muitos devem imaginar, a presença do vilão nesta continuação o coloca em outro lugar no universo dos filmes de terror. Isso funciona muito bem devido à construção ambígua feita no passado e algumas justificativas dadas pelo novo projeto. A ideia de que os extremos do mal e do bem fazem com que pessoas encarem a morte apenas como “uma palavra”, como é dito no filme, contribui para a expansão da mitologia.

Embora Ethan Hawke apareça majoritariamente mascarado no longa, sua presença assustadora continua tão imponente quanto antes. A expressividade corporal do assassino segue intacta, com algumas adições monstruosas dadas pelos toques do inferno gelado do qual descreve em mais de uma ocasião.

Blumhouse

O filme segue um bom fluxo até perceber que abriu muitas abas, mesmo com poucos personagens. Neste aspecto, O Telefone Preto 2 sofre com a pressa de dar novas informações enquanto tenta encerrar a história, já que nos minutos finais adiciona novas informações ao todo. Ainda que quebre a maldição das sequências, o filme visita um recurso frequente do audiovisual: ao contar o passado de um personagem, cria-se uma conexão inusitada que até traz um peso dramático adicional à trama, mas não deixa de soar forçado.

O Telefone Preto 2 parece cumprir a missão de utilizar o sucesso do anterior para criar uma boa história. Excessos nunca são bons, mas aqui podem ser vistos com bons olhos quando a produção mostra-se criativa. Espere momentos expositivos, o uso do CGI desnecessário aqui e ali e algumas atuações questionáveis, mas vá preparado para um terror esteticamente apurado, um tanto perturbador e que, na medida certa, consegue ser divertido quando referencia o passado sem medo de cair em galhofas questionáveis.

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