Colman Domingo lidera um elenco emocionante em Sing Sing, uma história baseada em fatos reais que concorre ao Oscar 2025
por Katiúscia ViannaPor mais que o Oscar seja uma premiação tão polêmica quanto importante para a indústria do cinema, é inegável que a presença de um longa na lista de indicados pode mudar as vidas (e carreiras) de seus realizadores. Em 2025, vemos isso com o sucesso internacional da nossa amada Fernanda Torres (e de Ainda Estou Aqui) ou pela idolatria de um gato preto na Letônia por conta de Flow. Por sua vez, existe um filme que parece ter sido exaltado e esnobado ao mesmo tempo por essa edição da premiação: Sing Sing.
Diamond Films
Sing Sing acompanha o dia a dia do RTA (Rehabilitation Through the Arts), um programa que incentiva artes em presídios de segurança máxima nos Estados Unidos. A figura central dessa história é Divine G (Colman Domingo), um homem preso durante anos por um crime que não cometeu. Enquanto tenta conquistar a liberdade, ele ocupa seu tempo como um dos fundadores do RTA e escreve peças, se dedicando aos projetos teatrais do local.
Um dia, Divine G decide dar uma oportunidade para Divine Eye (Clarence Maclin), um presidiário conhecido por seu temperamento nervoso e violento, mas que parece conhecer (ou pelo menos tem algum interesse em) obras clássicas. Na primeira vista, Divine Eye não parece se encaixar muito no grupo, mas sugere que eles façam uma comédia, ao invés de adaptar uma das peças dramáticas de Divine G.
O que começa como uma rivalidade entre os dois presidiários acaba provando que os dois têm muito mais em comum do que simplesmente o apelido Divine.
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É impossível falar de Sing Sing sem citar seu compromisso com a veracidade, principalmente por conta de seu elenco. Tirando alguns atores profissionais como Colman Domingo e Paul Raci (ambos interpretando pessoas reais), a maior parte da equipe em frente às telas é formada por ex-presidiários que participaram do RTA e vivem versões fictícias de si mesmos - inclusive Clarence “Divine Eye” Maclin, que assume um papel mais central em comparação aos colegas.
O trunfo de Sing Sing é que seu olhar criativo não surge como uma forma de exploração sobre as condições precárias do sistema penitenciário estadunidense (ou até mesmo mundial). Mas sim exaltar como a arte ajudou essas pessoas em momentos tão complicados de suas vidas, destacando a importância de uma segunda chance em suas jornadas.
Só que isso também abre precedente para um dos (poucos) defeitos de Sing Sing. Teoricamente, deveria se tratar de um filme de elenco e, por mais que conte a história daquela comunidade, acaba pecando ao somente focar nas figuras de Divine G e Divine Eye, além da amizade do primeiro com Mike Mike (Sean San Jose). Por mais que sejam tramas magnéticas e emocionantes, faltou um pouco de individualidade para o restante dos atores, afinal a arte devia justamente ajudá-los a se destacar em um sistema onde qualquer um pode perder a si mesmo.
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Seguindo a premissa do diretor Greg Kwedar, muitos pensariam que seria importante também escalar o verdadeiro John “Divine G” Whitfield para estrelar a produção. Realmente, eu não sei se foi uma escolha pessoal dele - afinal, ele faz uma pequena participação no longa como um fã de sua versão fictícia - ou se foi uma forma de ajudar um possível financiamento do filme, colocando alguém famoso para liderar o projeto.
Mas a escolha de Colman Domingo não poderia ser diferente. Sua profundidade dramática carrega a trama para um lugar de vulnerabilidade e emoção, ao mesmo tempo que serve como uma espécie de guia espiritual para seus colegas de elenco, seja na interpretação dentro ou fora do roteiro. O ator, já vencedor do Emmy por Euphoria, recebeu sua segunda indicação ao Oscar por esse papel - e se o mundo das premiações fosse um mundo justo, não somente baseado em campanhas, ele teria uma chance boa, já que é uma das melhores performances de sua carreira.
Por mais que Divine G e Divine Eye pareçam seguir por jornadas opostas durante o longa, a turbulenta amizade entre os personagens é o grande destaque do projeto - sendo proporcionada por um roteiro escrito com a ajuda de suas versões reais, mas ancorada nas performances de Domingo e Maclin (que, inclusive, também deveria ter mais espaço na temporada de premiações 2024-2025).
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É com esse gancho que eu explico a minha declaração de abertura: Sing Sing recebeu 3 indicações ao Oscar. Melhor ator (Colman Domingo), melhor roteiro adaptado e melhor canção. E só. Agora, eu não estou exigindo uma indicação de design de produção, já que estamos falando de uma prisão como cenário; nem mesmo como figurino, que se baseia em uniformes presidiários ou fantasias propositalmente meio capengas, devido a falta de orçamento ou incentivo financeiro do RTA.
Mas, considerando tudo que Sing Sing representa (e não falha em apresentar nas telonas), era esperado uma presença na categoria de melhor filme, além de uma indicação para Clarence Maclin como ator coadjuvante. E, no contexto geral dessa temporada de premiações, ficou um gostinho de “quero mais aclamação” ao falar deste projeto. É uma história emocionante, que merece ser vista por mais pessoas, e que ainda traduz tudo aquilo que o Oscar deveria ser sobre: o poder da arte.
Sim, pode parecer meio brega, mas a sociedade não deveria ter medo de ser vulnerável. Vivemos com muralhas a postos em nossas interações sociais - e consigo nem imaginar como deve ser ainda mais complicado em um lugar como o presídio. E isso torna o projeto RTA ainda mais importante. Se aquele elenco teve a coragem de voltar para um lugar que lhe causou tanta dor para filmar uma parte significativa de suas histórias, o mínimo que eles deveriam receber é um reconhecimento por isso.
Sing Sing não é um filme perfeito, mas é impactante, agarrando no máximo de verossimilhança possível, com toques de dramaticidade que nos coloca numa posição que esperamos nunca estar. Você vai rir com a peça que eles criam, você vai chorar quando uma tragédia ocorrer, você vai se inspirar na esperança de Divine G pela justiça… Porém, o mais importante é te fazer sentir.