Mauricio de Sousa: O Filme
Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Mauricio de Sousa: O Filme

Cinebiografia de Mauricio de Sousa tem um pouco da doçura da Turma da Mônica e da comicidade de Chico Bento, mas falha em representar grandiosidade do quadrinista

por Diego Souza Carlos

Tarefa extremamente difícil é levar luz à história de uma das personalidades mais importantes de um país, ainda mais quando há contribuição efetiva - e afetiva - na formação de pessoas. Embora o debate sobre as diferenças e semelhanças entre quadrinhos e livros esteja longe de acabar, é inegável o poder educacional dos gibis no Brasil.

Em termos contemporâneos, por exemplo, chega a ser raro encontrar alguém que não tenha as histórias do Limoeiro no processo de alfabetização - mesmo que o boom das redes sociais esteja dominando o tempo livre da juventude. É justamente por isso que enaltecer Mauricio de Sousa em vida, através do cinema, é um ato importante pela relevância e respeito ao artista. Uma pena que a cinebiografia das primeiras décadas do quadrinista falhe, ainda que tenha bons momentos, em ser um longa-metragem que faça jus à sua trajetória.

Intitulado apenas de Mauricio de Sousa: O Filme, o filme reconta a vida do quadrinista desde sua infância, a relação com os pais e os primeiros passos e momentos marcantes que tornaram realidade o seu sonho de se tornar desenhista. Criador de Turma da Mônica e outros personagens famosos da cultura brasileira, o projeto apresenta as referências que o formaram, como sua avó Dita e família, figuras essenciais para a criação de muitas de suas criações.

Do gibi ao cinema, um legado que ultrapassa gerações

MSP

A popularidade da MSP é semelhante à da Marvel e DC, mas as histórias aqui são conduzidas de um jeito nosso, que leva uma singularidade expressiva da língua, do jeito de pensar, com pitadas de leveza, reflexão e muita comicidade no caminho. Sua importância na vida de tantos brasileiros até hoje, mais de 60 anos após o início das publicações, demonstra o alcance significativo desse emaranhado de narrativas.

Ainda que vivamos uma era guiada pelo excesso do digital, os personagens da Turma da Mônica ganham uma nova vida no audiovisual com produções ótimas como Laços, Lições, Origens e Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa - este último, inclusive, uma clara alusão à infância do autor e ao relacionamento com os avós, que abre o filme. Os momentos mais solares e lúdicos deste trecho, com a vida do garoto em Mogi das Cruzes, contém alguns dos ecos mais doces das atrações audiovisuais do universo MSP.

Com o uso de uma linguagem universal, a expressividade do menino que já era multiartista desde cedo se manifesta com animações, efeitos especiais e roteiro simples, mas o suficiente para cada cena. Sua transição para jovem adulto segue muito dessa ideia, mas assim como o envelhecer nos encaminha para estradas menos bonitas e mais burocráticas, o uso destes recursos vai ficando de lado.

Entre o lúdico e o padrão das cinebiografias

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Chega a ser pleonasmo dizer que o melhor do quadrinista está no campo imagético, da brincadeira com o que pode ser ordinário, mas são nesses momentos do filme em que as coisas se mostram mais interessantes. Há uma passagem, por exemplo, de quando ele entra para o jornal enquanto busca seu sonho de trabalhar com desenhos.

Incentivado a topar todas as oportunidades, ele encarna um detetive vindo diretamente dos quadrinhos em momentos cômicos, claramente inspirados em Os Trapalhões e Mr. Bean, que brincam com uma comédia física de jeito bobo, mas convincente. Tudo para apresentar o sentimento de insegurança e inaptidão do protagonista diante das adversidades do cargo.

A partir daí, no entanto, o filme se resume a sequências do autor batendo de porta em porta - por vezes aceito, por vezes negado. Não que estas sequências sejam descartáveis, pois é através delas em que temos breves vislumbres de grandes nomes da época, como o relacionamento de camaradagem entre Mauricio e Ziraldo, mas há a pressa que parece sacrificar alguns conflitos importantes para entregar soluções rápidas e correr com a história.

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Não existe um protocolo para cinebiografias, mas o mercado estabeleceu uma régua confortável para este tipo de produção, um estilo guiado pelo misto de lances emocionais e uma inevitável história de superação. No campo internacional temos de Bohemian Rhapsody, criticada por jogar no seguro e não expor traços importantes do Queen, a Rocketman, que utiliza a musicalidade vibrante de Elton John para criar um musical único.

Já no Brasil, tivemos recentemente Homem com H, que eleva o nível artístico de Ney Matogrosso à imagem, som e personagens de um recorte específico de sua vida, a Mamonas Assassinas - O Filme, um dos produtos mais embaraçosos que já passou pelo cinema contemporâneo.

Embora tente brincar com elementos dos dois tipos, a sombra de cinebiografias protocolares acaba levando Mauricio de Sousa - O Filme a ares muito mais burocráticos - e aqui também enviesados, por que não? - de seu desenvolvimento: seja por respeito ou pela simplicidade da narrativa, o filme parece a todo instante resumir a vida do quadrinista a poucas facetas, deixando-o como uma caricatura extremamente sorridente de si mesmo.

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A semelhança de Mauro Sousa com o pai é nítida, o que colabora com as cargas emocionais do filme, além de boas interpretações das matriarcas da vida de Maurício: a mãe (Natália Lage), a avó (Elizabeth Savalla) e a primeira esposa (Thati Lopes). Mas todos trabalham bem, especialmente as atrizes veteranas, sob um roteiro formal para uma narrativa com tantos potenciais criativos à disposição.

A correria final na resolução dos acontecimento também mina aspectos importantes para o público: a criação da Mônica ganha mais destaque depois de um momento constrangedor com a palavra ‘misógino’ - não há grandes explicações para uma potencial audiência mais nova -, e depois entendemos rapidamente como Cascão, Cebolinha, Magali, Anjinho e outros surgiram. Além disso, provavelmente na tentativa de evitar aspectos políticos mais densos, o momento em que ele é acusado de ser "subversivo" também acaba atingindo apenas a superfície do que realmente acontecia na época, episódio no qual houve um boicote geral ao ilustrador.

Mauricio de Sousa - O Filme surfa com inconsistência por diferentes fases da vida do quadrinista. Da infância ao lançamento da Bidulândia, atual MSP, há momentos emocionantes sobre a principal mensagem do filme, dita mais de uma vez, sobre não desistir na busca pelos sonhos. Tendo a trilha sonora como um dos aspectos mais agradáveis do longa, a cinebiografia pode conquistar aqueles que tiverem curiosidade sobre o início da turma do Limoeiro e tantos outros personagens icônicos, mas, ainda que tenha doçura no caminho, parece não fazer jus à grandeza do artista por tê-lo próximo demais da produção. Um termo mais apropriado talvez seja um filme chapa branca.

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