Com grande atuação de Ralph Fiennes, Conclave mostra por que o inferno também está nos homens
por Rafael FelizardoAssim como a Maçonaria, a Área 51, os Illuminati e a Rosacruz, o que acontece por trás dos muros do Vaticano é mergulhado em mistério. Há anos, os rituais empregados pelo âmago da Igreja Católica são motivos de intriga para todos os tipos de curiosos, dando à luz teorias da conspiração capazes de balançar até os mais céticos.
Pegando carona no conceito de que a arte imita a vida - ou seria a vida imita a arte? -, a indústria cinematográfica há décadas permeia por temáticas como a citada, tentando jogar claridade em um assunto que parece preferir as sombras. Com isso em mente, em 2024, Edward Berger foi responsável pelo longa-metragem Conclave, uma produção estrelada por Ralph Fiennes, Stanley Tucci, Isabella Rossellini e que ambienta o público em um dos eventos mais secretos do mundo: a escolha do catolicismo por um novo Papa.
Baseado no livro de mesmo nome de Robert Harris, o filme conta a história de Thomas Lawrence, um cardeal-decano que fica responsável por assumir o conclave que definirá um sucessor para o recém-falecido Papa. Os quatro principais candidatos ao posto possuem visões políticas e nacionalidades diferentes, dando início a uma acirrada, porém silenciosa, competição.
Quando uma revelação preocupante envolvendo um dos postulantes ao cargo chega ao ouvido de Lawrence, o sacerdote precisa confiar em sua fé e capacidade lógica para definir qual será o próximo passo a ser tomado, ao mesmo tempo em que tenta evitar um escândalo de grandes proporções.
Sem sombra de dúvida, o design de produção é um dos pontos mais altos de Conclave. Aqui, Berger se juntou à diretora de arte Suzie Davies para dar vida a uma espetacular representação do Vaticano - parceria que já havia acontecido em um filme que terminou cancelado por conta da pandemia do Covid. Como a cidade não permite gravações na Capela Sistina ou na Casa Santa Marta, réplicas foram construídas das localidades, montando um quebra-cabeça que, mesmo não sendo 100% fiel ao original, ainda é capaz de encher os olhos daqueles enjoados da estética minimalista moderna - como este que aqui escreve.
Berger também mostrou grande primor por trás das câmeras ao reproduzir da forma mais verídica que conseguiu os rituais da Igreja Católica. Como dito por Davies durante uma entrevista de 2024 para o site MotionPictures, “há um lado oculto do conclave que ninguém realmente conhece”, precisando, o diretor, usar de sua licença artística para representar de maneira imaginativa o que acontece onde os olhos públicos não alcançam.
Ainda sobre os elementos técnicos, outro ponto que vale a pena ressaltar é o trabalho do diretor de fotografia, Stéphane Fontaine. Figura conhecida no cinema francês, Fontaine cria em Conclave um espetáculo soturno entre os corredores claustrofóbicos do Vaticano. Com uma composição fotográfica que não precisa de textos para conversar com o espectador, o cineasta consegue encapsular perfeitamente a solidão de uma das localizações menos acessíveis do mundo. Simplesmente fantástico.
Conhecido por títulos como O Menu, A Lista de Schindler, Harry Potter, O Paciente Inglês e mais, Ralph Fiennes, mais uma vez, consegue demonstrar todo o alcance de seu talento. Com Lawrence, o ator encarna um personagem muito bem construído, com características de ingenuidade, nervosismo e que transita para algo maior enquanto o enredo se desenvolve.
E falando em enredo, Conclave evolui de maneira bastante dinâmica, fugindo de um ritmo mais lento que eu particularmente esperava - e talvez apreciasse mais. O roteiro de duas horas escrito por Peter Straughan passa em um piscar de olhos, não abrindo muito espaço para grandes explicações e nem para subtramas desnecessárias.
Entrando no âmbito do gosto pessoal, senti falta no longa de um pouco mais de drama e também de paciência - ponto que não chegou a me incomodar, mas que certamente me agradaria mais. Em determinados momentos, Conclave ganha um ar de filme de espionagem - provavelmente lembrando Fiennes de seus anos como M na franquia 007.
Além disso, os momentos finais apresentam uma reviravolta que acho destoante do resto do roteiro. Se desde o início da trama Conclave se prega ao plausível, à realidade e ao não-romântico, o terceiro ato quebra com essa lógica, me parecendo, de certa forma, até meio piegas.
Não é absurdo algum afirmar que cinema e religião, com certa frequência, andam de mãos dadas. De cabeça, é fácil lembrarmos de obras audiovisuais com temáticas religiosas que temos apreço - e nem o próprio Papa Francisco escapa dessa máxima. Para quem não sabe, o atual líder mundial da Igreja Católica é adepto assíduo da sétima arte, já tendo declarado como favoritos A Estrada da Vida, A Festa de Babette e Roma, Cidade Aberta.
Frequentemente, a história de Conclave se mostra uma briga egoísta de homens que colocam seus interesses acima dos da Igreja, fugindo daquilo que é pregado pela religião em sua essência. Uma frase proferida pelo (quase) sempre sensato Aldo Bellini, personagem de Tucci, próxima ao início do filme, reflete bem esse ponto, quando ele afirma: "O inferno chegará amanhã quando trouxermos os cardeais”. De fato, no longa, o inferno reside mais no elemento humano do que em um lugar com lagos de fogo que cheiram a enxofre, como comumente descrito.
Para finalizar, vale lembrar que, recentemente, Conclave ganhou força para o Oscar 2025, após faturar o Globo de Ouro de Melhor Roteiro. O trânsito pelas cerimônias mais importantes do audiovisual parece não ser novidade para Berger, um cineasta que em 2023 conquistou a estatueta dourada com Nada de Novo no Front.