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    Família de Axé
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Família de Axé

    Portas semi-abertas

    por Sarah Lyra

    Imagine uma série de vídeos caseiros compilados em pouco mais de uma hora de duração, com personagens discorrendo sobre suas respectivas relações com o candomblé. O problema deste documentário é que, em nenhum momento, essa premissa parece intencional. Na maior parte da projeção, a ausência de uma estrutura elaborada se faz notável, e a obra parece tatear o caminho sem muita certeza de onde este o levará. Isso vai desde o recorte temático, que acaba concentrando um excesso de informações sobre a religião, até a estética, cujas características oscilam sem critérios previamente estabelecidos.

    Tetê Moraes, talvez por conta do profundo envolvimento com seus entrevistados, o que ela assume já nos primeiros instantes de filme, exibe uma dificuldade em abrir mão de cenas que, no conjunto final, se tornam dispensáveis. Há claramente uma disposição em manter todos os personagens, dar espaço para todas as histórias e inserir demasiadamente registros de festas, vestimentas e acontecimentos cotidianos do terreiro. Para efeito de homenagem ou catalogação, a abordagem funciona, mas como obra cinematográfica não consegue desenvolver linguagem, estética e narrativa próprias.

    Desta maneira, Família de Axé, além de apresentar um panorama da religião e seus orixás, fala sobre música, celebrações, preconceito racial e religioso, vestimentas, culinária, senso de comunidade, atribuições específicas de cada membro, relações familiares, entre outros. Fica claro que, na tentativa de abordar tantas vertentes, o documentário só consegue apresentar a cultura do candomblé — e daquele terreiro, especificamente — de modo superficial, sem realmente se dar o tempo de aprofundá-la, permitir que conheçamos seus membros a fundo ou até mesmo de propor uma discussão acerca de possíveis contradições e conflitos da convivência em comunidade, problematizações válidas para qualquer tipo de organização social.

    Na maior parte do tempo, os personagens colocados em tela se esforçam para desconstruir a imagem estereotipada do candomblé na sociedade, mas, nesse processo, acabam reforçando apenas o lado simples e cômodo — um clichê “do bem”, se preferir. Por isso, é frequente acompanharmos alguns dos entrevistados explicando a mudança em suas vidas após se juntarem ao grupo, como a vivência em comunidade e o aspecto ritualístico são, de certa forma, uma salvação — ou cura para doenças — e ressaltando o bem estar geral como objetivo acima de qualquer outro.

    Bem intencionado, Família de Axé certamente tem seu valor no simples fato de abrir as portas e dar acesso ao espectador ao que parece ser um local de extrema intimidade e companheirismo. Infelizmente, porém, somos apresentados a essa cultura apenas de forma didática, como se estivéssemos lendo um texto de enciclopédia. A impressão ao final é de que as aberturas não estavam tão escancaradas quanto se imaginara.

    Filme visto no 52º Festival de Brasília, em novembro de 2019.

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