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    Free Solo
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Free Solo

    O cinema como testemunha

    por Bruno Carmelo

    Nas primeiras cenas deste documentário, Alex Honnold é visto escalando o perigoso rochedo El Capitain, sem utilizar cordas ou qualquer outro tipo de proteção. Uma pequena parte do clímax é entregue no começo para sugerir ao espectador de que a escalada completa virá mais tarde, e também para garantir que esta não é a narrativa de uma tragédia, e sim de uma vitória. Sabemos que ele conquistará o feito inédito, o que não nos impede de temer por sua morte, cuja possibilidade é trabalhada pelos diretores em ritmo de suspense. O início nos apresenta Alex como uma celebridade, estampada em revistas e presente nos talk shows da televisão, para em seguida retirar as máscaras e analisar a pessoa por trás do mito.

    Um dos principais méritos de Free Solo se encontra no retrato próximo, porém nada idealizado de seu protagonista. Os cineastas Jimmy ChinElizabeth Chai Vasarhelyi buscam na infância os motivos que levam uma pessoa a praticar um ato de clara vocação suicida. Por que Alex insiste em praticar o “free solo”, ou seja, a escalada sem cordas em locais cada vez mais perigosos? Os diretores descartam a resposta simples do “prazer pela adrenalina” ao delinear a personalidade de um jovem antissocial, que não foi muito amado pelos pais na infância e demonstra dificuldade em expressar carinho pela namorada. Alex se compara em duas oportunidades com um guerreiro, movido pela necessidade de escalar como uma missão pessoal. “Nada de bom acontece tendo uma vida feliz e aconchegante”, ele explica. O risco se transforma numa finalidade em si.

    O documentário se torna ainda mais interessante por acompanhar os fatos ao vivo, concebidos exclusivamente para o olhar das câmeras. Ao invés de analisar acontecimentos em retrospecto, como na maior parte dos filmes, ele produz os fatos. Com as câmeras ao seu lado, Alex fica nervoso, sente pressão maior pelo sucesso, enquanto os diretores temem pela possibilidade real de gravarem, em primeira mão, a morte do amigo. O cinema assume sua vocação de testemunha enquanto explicita o compromisso ético com a realidade, assim como a inevitável influência no meio retratado. Seria confortável filmar o alpinista à distância, em olhar “invisível”, mas Jimmy Chin se converte em personagem, propondo uma reflexão sobre o valor do cinema em busca de algo excepcional, único, inédito. A arte é maior que a vida? Valeria a pena continuar com o projeto caso o protagonista morresse no processo?

    Por trás dos complexos questionamentos sobre a natureza da arte e a natureza humana existe uma concepção estética simples. Free Solo é beneficiado pela evidente proximidade do cineasta com Alex, permitindo que o atleta se expresse sem reservas. No entanto, as imagens se baseiam nos recursos mais gastos (e menos inventivos) das narrativas de aventura: música de superação ininterrupta durante a escalada; sobrevoos com drones intercalados com imagens próximas das mãos e pés nos rochedos, em câmera lenta; um estranho efeito de “vinheta” com as bordas da imagem escurecidas; além da manipulação pop e colorida de fotografias antigas e material de arquivo. Em determinadas cenas, o formato se aproxima da reportagem de grande orçamento graças aos depoimentos padronizados de familiares e da namorada com os rostos posicionados no centro do enquadramento, enquanto planos de detalhe filmam livros de Alex sobre a mesa. De modo geral, as imagens se tornam reféns do tema - o maior exemplo disso é a quantidade massiva de cenas com narração em off, sem deixar brecha para o espectador refletir por si próprio.

    Por fim, o documentário se destaca da média por ultrapassar a busca pelo espetáculo: Alex não se torna um herói louco e destemido, e sim um alpinista que efetuou um planejamento cuidadoso, obsessivo, durante anos antes de efetuar a perigosa escalada. O “free solo” é visto como uma atividade profissional na qual os riscos são atenuados pelas habilidades desenvolvidas através de treinamentos intensivos. Os cineastas conquistam a façanha de filmar um paredão rochoso aparentemente homogêneo como uma jornada dotada de obstáculos distintos, exigindo habilidades específicas. Isso garante que a cena final, quando a escalada solitária se desenvolve diante dos nossos olhos, seja bastante empolgante em seu uso clássico, porém eficaz, de som e montagem. Parcialmente apresentada na introdução, a proeza retorna aos olhos do espectador desvestida do fetiche de irresponsabilidade para se converter numa busca natural pela superação humana.

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