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    Asako I & II
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Asako I & II

    O eterno retorno

    por Bruno Carmelo

    A primeira paixão de Asako (Erika Karata) ocorre à primeira vista. Ela descobre Baku (Masahiro Higashide) numa exposição e sabe que quer ficar com ele pelo resto da vida. A garota é tímida e romântica, o garoto é um rebelde com tendências violentas, mas eles formam um casal indissociável, mesmo sem se conhecerem bem. Até o dia em que Baku desaparece. Asako sofre, refaz a sua vida, muda de cidade e, dois anos depois, encontra um homem idêntico ao antigo namorado. O que fazer com este espectro de amor?

    Asako I & II trabalha com ideias importantes relacionadas ao sentimento amoroso. O roteiro debate a idealização do outro, a aniquilação de si próprio, a frágil segurança da paixão e a superação de traumas relacionados a namoros antigos. Psicólogos e psicanalistas devem se deliciar com este filme, aliás. O jovem diretor Ryusuke Hamaguchi trabalha acima de tudo com as ideias de permanência e efemeridade: quando Baku some, a montagem salta imediatamente para dois anos mais tarde, impedindo que o espectador veja o sofrimento da garota e a dissocie da figura de Baku. Ele retorna – em aparência, pelo menos – numa versão diferente, mas encontra Asako idêntica, como se ela ainda esperasse pela volta do namorado.

    Por trabalhar a noção do desaparecimento, ao invés da ruptura, o filme impede que a protagonista, e também o público, faça o luto da história de amor. A narrativa deixa claro que Ryohei (Higashide) é uma pessoa muito diferente, mas o romance que nasce entre ambos nunca deixa de parecer uma cópia, ou talvez seja melhor dizer um decalque, do amor enlouquecido de antes. Existe algo um tanto amargo na decisão de colocar a personagem diante da ilusão do amor verdadeiro, como se ela precisasse se contentar com uma imagem, uma foto. Ryohei é um rapaz atencioso, afetuoso, mas jamais será o verdadeiro objeto de adoração de sua namorada. O filme desenvolve uma série de relacionamentos entre personagens bem-intencionados, mas fadados ao fracasso.

    Apesar do tom agridoce, a história se mantém leve, com diversos traços cômicos. O diretor parodia o amor eterno – os amantes sofrem um acidente e se beijam no asfalto, ainda machucados – enquanto retrata os amores possíveis de modo terno, porém nada efusivo – vide a cena de Asako fazendo uma massagem nos pés de Ryohei. Hamaguchi tem um ótimo olho para pequenas cenas cotidianas, para diálogos truncados ou incômodos, e para certo despojamento estético. A fotografia beira o amadorismo, abraçando a luz dura das lâmpadas e estourando a luz do dia nas externas, enquanto o som incorpora momentos estridentes. A maioria das obras apararia estas arestas, mexeria na correção de cor e na pós-produção, porém o filme japonês busca algo cru, realista. Asako morre de amores, mas o filme mantém os pés no chão.

    Depois de uma discussão tão interessante sobre os afetos, é uma pena que os vinte minutos finais saiam dos trilhos. As reviravoltas se acumulam, o fantasmático se transforma em concreto. O roteiro para de estimular a nossa imaginação para dizer efetivamente o que ocorreu com cada personagem, e o que vai acontecer depois – como se toda história de amor precisasse da segurança de um final determinado. Três ou quatro cenas adequadas para a conclusão se sucedem, mas a trama continua se desenvolvendo, avançando no tempo e transformando sensivelmente a construção dos personagens. Mesmo assim, Asako I & II constitui uma fábula repleta de camadas sobre a nossa tendência a projetar no ser amado aquilo que gostaríamos que ele fosse, ao invés do que ele realmente é.

    Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.

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    Comentários

    • Gabriel Vince
      Embora o diretor inegavelmente possui destreza técnica e o tema da memória e do trauma na vida amorosa dê muita margem para um trabalho interessante, o roteiro é comicamente ruim.Não vou dar muitos detalhes sobre o que acontece no filme, mas as decisões de Asako, a partir de certo momento, são tão implausíveis e inverossímeis que a sua impulsividade, longe de refletir uma compreensível confusão da personagem, só refletem a pressa do diretor em terminar o filme a qualquer custo - nem que custe demolir as próprias premissas: o que antes era um filme sobre memória e amor, se transforma numa jornada patética de auto-humilhação em busca de uma redenção não-convincente.Se você busca um filme sobre a intricada relação da memória com os relacionamentos amorosos, indico Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças de Michel Gondry.
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