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    A Grande Mentira
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    A Grande Mentira

    A fórmula do golpe

    por Sarah Lyra

    Esta crítica pode conter spoilers.

    No que diz respeito a filmes sobre golpes, todos os elementos se encontram neste A Grande Mentira: o golpista que oscila entre o carisma e a falta de escrúpulo; a vítima indefesa cuja função parece ser a de facilitar ainda mais o trabalho do criminoso; o parente ou amigo que vê além das aparências e tenta desmascarar o plano de ação, com direito a uma revelação sobre o passado do golpista que serve apenas para aproximá-lo de sua vítima; e a reviravolta. A fórmula em si não chega a ser um problema, mas a falta de personalidade para preencher as possibilidades que ela oferece se torna notável ao longo do filme de Bill Condon, principalmente pelo desperdício de Helen Mirren e Ian McKellen, embora eles sejam os pontos altos do projeto.

    Os veteranos atores demonstram que, apesar das inconsistências do roteiro assinado por Jeffrey Hatcher, carisma e boa dinâmica podem alavancar uma trama — ao menos até certo ponto. No caso de McKellen, essas características são ainda mais visíveis. É um deleite observá-lo transitar com tanta leveza e competência entre os trejeitos de idoso debilitado e o cinismo do vigarista Roy Courtnay, indo dos fracos e sem intenção acenos de mão, passando por sutis gemidos de dor, até chegar à postura totalmente ereta combinada a um sorriso malicioso. Mirren, por sua vez, encarna com eficiência a doçura da recém-viúva Betty McLeish, embora seu desenvolvido seja em grande parte limitado por conta de uma decisão de roteiro que só será compreendida no terceiro ato.

    O impasse de A Grande Mentira é se tornar refém da reviravolta, já que muito do que soa estranho ao longo da projeção acabe sendo explicado em uma única revelação. Ainda assim, o roteiro apresenta algumas fraquezas que nem este artifício consegue elucidar, a começar pela relação de Betty e Roy. Independente de qualquer esclarecimento feito ao fim, é curioso observar que as questões que aproximam os dois personagens nunca chegam a ser desenvolvidas a fundo, seja para tornar a relação mais crível ou para fazer algum comentário. O apreço pela companhia um do outro, a facilidade de se estar próximo de alguém da mesma geração e que tem as mesmas referências de mundo, além da identificação a partir do fato de ambos serem viúvos, são citadas pontualmente, mas não realmente ressaltadas na interação da dupla.

    No entanto, o mais problemático são os flashbacks. Os dois segmentos, o primeiro sobre Roy e o segundo sobre Betty, não só funcionam de maneira excessivamente didática, como deixam pouca margem para interpretação ou ambiguidade, com os acontecimentos sendo expostos para não deixar qualquer dúvida no espectador. As informações, em vez de acrescentarem gradativamente à narrativa ou trazer mais consistência aos personagens, são despejadas de forma quase gratuita, com o propósito exclusivo de explicar as ações dos personagens e gerar comoção. É válido que a reviravolta não funcione do ponto de vista apenas do roteiro, mas também no sentido de reverter a imagem de mulher ingênua e facilmente manipulável até então propagada pelo longa. Ainda assim, colocar Roy fazendo todo tipo de pergunta para facilitar o entendimento tira a credibilidade da proposta e subestima o espectador.

    É também problemático — e, principalmente, sintomático — que Betty precise explicar o motivo de sua dor, mesmo após tantas décadas. Ouvir Roy questioná-la sobre o passar do tempo, como se este fosse capaz de apagar qualquer trauma do passado, revela muito sobre a sociedade em que vivemos, onde uma mulher precisa dizer com todas as letras que um estupro deixa consequências psicológicas que possivelmente perdurarão toda a vida. “Mas por que, depois de 60 anos?”, pergunta ele, como se estivesse antecipando a dúvida dos espectadores. Se tratando de um assunto tão doloroso e sensível para a mulher, uma explicação de poucos minutos certamente está longe do ideal, por mais que Betty consiga executar sua vingança — e a sugestão de que a vida volta ao normal, após todo o seu trabalho, é, no mínimo, simplista. Ao final, o que fica implícito é que, para uma produção disposta a falar de omissão e mentira, sua abordagem se mostra essencialmente contraditória.

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    Comentários

    • RUBEM C
      A critica de Adoro cinema contém Spoilers e é muito superficial. O filme é melhor que a crítica .
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