Dear sisters
por Taiani MendesO tempo não é progressivo para elas. De que maneira outra explicar como cartas escritas nos anos 1970 continuam exprimindo inquietações femininas do século XXI? Irretocável filme de Irene Lusztig, Um Abraço, na Sororidade estabelece uma ponte sensível entre as mulheres dessas duas épocas, gerando de forma natural risos e lágrimas por meio da acepção do feminismo como obra em construção e constante ampliação. O que incomoda é o entendimento de que o caminho até um estado de notável evolução do status da mulher na sociedade só vai ficando mais longo, pois novas demandas felizmente não deixam de surgir e problemas diagnosticados há cerca de quatro décadas continuam presentes.
Comandando equipe composta majoritariamente por profissionais do sexo feminino, Irene cruzou os Estados Unidos com uma proposta com ares de máquina do tempo. Pegou inúmeras cartas enviadas por mulheres à popular revista feminista Ms. (criada por Gloria Steinem e Dorothy Pitman Hughes em 1971) e deu para centenas de outras mulheres, das mesmas cidades das autoras das correspondências, lerem diante da câmera.
Os temas são variados – sexismo, racismo, solidão, sexualidade, violência, política, porcos chauvinistas, representatividade, a agenda feminisnta –, assim como é bastante abrangente a gama de personagens, e um dos pontos de maior interesse é como a proposta vai se desenvolvendo de forma cativante e bem montada ao longo do documentário.
O que se inicia em uma mera leitura de teleprompter vira uma interpretação convincente, ecoa com reconhecimento, chega a uma análise, desemboca em uma crítica, surpreende em reencontro e as camadas de discussão vão se multiplicando. A participação da diretora com provocações off-screen é indispensável, sendo o filme uma ode ao fortalecimento feminino através da troca e da empatia, e o formato simples não necessita realmente de mais do que as básicas informações que acompanham cada expressiva participação: cidade e ano da carta.
Vozes dos anos 2000 espalham angústias antes escondidas em gavetas e lamentavelmente nada distantes das dificuldades enfrentadas ainda hoje. Histórias negligenciadas por uma publicação muito importante, cujo valor não deve ser esquecido, mas incapaz de dar conta dos diversos feminismos e até equivocada na abordagem – e em outros casos total ignorância – de questões como raça, trans e homossexualidade.
Todo o falar (não apenas vocal) de Um Abraço, na Sororidade trata de enxergar a outra mulher, por diferente que seja, como irmã, tirá-la do isolamento da falta de interlocutor, da sensação de estar só em sua dor. Há bem mais de uma forma de ser feminista, mas todas passam pelo escutar umas as outras, sempre. Abraçar e não se calar.
Filme visto no 7º Olhar de Cinema, em junho de 2018.