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    Abe
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Abe

    Crônica ingênua

    por Barbara Demerov

    A comida é algo que sempre serve de pretexto para unir pessoas. Sair para jantar, para almoçar, preparar algo diferente em casa... Em muitos casos é dessa forma que familiares, amigos e namorados se reúnem ou simplesmente aproveitam o tempo para se conhecerem melhor. Em Abe, de Fernando Grostein Andrade, a leveza que uma saborosa refeição traz não só conduz a motivação do personagem principal, que dá título ao filme, como também une outros pontos que traduzem algo que o mundo precisa hoje em dia: quebrar as barreiras de crenças e preconceitos.

    É através da paixão por fazer novas receitas e do desejo em se tornar um cozinheiro que Abe (Noah Schnapp) conduz este enredo marcado por ingenuidade e delicadeza. Da paleta de cores vivas até no modo como o protagonista reage à medida que a ideia de aprender a cozinhar com Chico, profissional brasileiro que vive no Brooklyn (o simpático Seu Jorge) alavanca problemas em sua vida pessoal, este drama nunca deixa de ser um conto que ameniza as próprias adversidades que narra.

    Isso não chega a ser um demérito da obra, mas de certa forma existe certa redução de questões sérias que o roteiro impõe com relação à família de Abe, que de um lado é judia e israelense e do outro é palestina e muçulmana. Como a história se passa num recorte de algumas semanas em que o jovem de 12 anos entra na aventura da culinária, fica difícil entender como aquela família conseguiu dialogar nos últimos 15 anos em que seus pais estão juntos. Mas o novo conflito de crenças acontece pelo fato do garoto não saber qual religião seguir, o que já é suficiente para a família entrar em pé de guerra. Através de jantares separados com os avós de diferentes origens, Abe vai observando cada hábito com inocência e se esforça para conectar as pessoas que mais ama.

    Apesar de trazer à tona discussões relevantes sobre tolerância (ou a falta dela) e o respeito para com as próximas gerações que podem ou não seguir suas vidas com a religião, o clima alegre em Abe sempre se faz presente. O carismático Noah Schnapp, que também estrela a série Stranger Things, entrega de forma satisfatória as gradações de um jovem garoto que sofre com as brigas familiares que presencia, mas alguns elementos externos (como o bullying que sofre de um colega da escola via internet ou o súbito anúncio da separação dos pais) soam bastante destoados diante da narrativa principal, sem que haja uma perspectiva mais clara destes personagens.

    A direção de Andrade é majoritariamente guiada por um tom lúdico que diverte e faz a história evoluir sem complicação. O foco recai nos aprendizados que Abe ganha com Chico e, assim, passa a unir a possibilidade da gastronomia misturar diversas culturas em um só prato com o desejo do protagonista em fazer com que sua família esqueça das desavenças. Ele cozinha cada vez mais não só pelo prazer que a atividade lhe dá, mas por saber que existe uma chance real para que a união ocorra e tais hostilidades cessem de vez na mesa de jantar. Dessa forma, o protagonista encontra sua própria religião.

    Filme visto durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.

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    Comentários

    • Isabela
      eu adorei essa resenha. Chorei lendo
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