Roma
Em meio a grandiloqüentes histórias, falar sobre o cotidiano e o comum de uma forma honesta e pessoal não é fácil. Estamos diante de um recorte da vida, das belezas e dos pesares, ou seja, a vida em sua essência.
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O convite feito aqui é para ir além da fronteira de uma história aparentemente convencional, se tornando incrivelmente íntimo. Direciona seu olhar para uma luta de classes ainda contemporânea, explorando a relação de patrão/empregada de uma forma nada maniqueísta. Narra a trajetória de diferentes mulheres e da forma como estão inseridas na sociedade, de como os dilemas se bifurcam, mas se encaminham para um único lugar.
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A direção de Afonso Cuarón é magistral. Ele sabe dar o tempo para a narrativa se contar, pacientemente nos desvela mais sobre aquele universo, nos fazendo pertencente. Opta por uma câmera mais estática, com movimentos de câmera horizontais que não só nos contextualiza perfeitamente bem, mas nos imerge na história de maneira absurda. Compõe longos plano-sequência, que possuem coreografias plásticas e impressionante. Na fotografia existe uma perfeita consciência de contrastes e exposições, é linda. Sem trilha sonora, apenas o som dos acontecimentos, e é fantasticamente imersivo, os detalhes crescem sobre o silêncio nos contando muito sobre o que esse filme é.
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Yalitza Aparicio (Cleo) nunca atuou na vida, o que deixa tudo ainda mais natural. Ele reage perfeitamente bem as situações externalizando muita coisa. Absorve aquilo que nem precisa ser dito, sentimos diante da experiência que ela também está vivendo. Cleo vira bussolá na jornada, é quem mesmo em silêncio segura o mundo, e impede que desastres aconteçam na vida de quem está em sua volta, mas não na sua.
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E é assim que a vida é, cruel mas com lampejos marcantes de felicidade. Tecnicamente perfeito, uma produção surreal. Cuarón fala de sua história pessoal com total ciência que ser é o fato de narrar a si mesmo. É como se fizesse uma serenata para o cinema real, que vivemos todos os dias, e por durante 2h16 é como se esse cinema nos olhasse de volta nos dizendo que o que acabamos de ver também nos pertence, que também é sobre nós.