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    Promessa ao Amanhecer
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Promessa ao Amanhecer

    Filho único

    por João Vítor Figueira

    Pensando de forma enciclopédica, a trajetória de Romain Gary (1914 - 1980) sempre pareceu urgir por uma dramatização cinematográfica. Nascido na Polônia, em um território que hoje pertence à Lituânia e que na época fazia parte do Império Russo, Gary viveu de forma intensa. Judeu radicado na França, foi diplomata, aviador digno de honrarias durante a Segunda Guerra Mundial, eventual diretor de cinema e, principalmente, romancista, notabilizando-se como um dos autores mais prolíficos de sua geração. Sua história envolve relacionamentos amorosos com figuras notáveis, como a atriz Jean Seberg, múltiplas viagens e residência em diferentes continentes. Com um material tão rico em mãos, o diretor Eric Barbier (O Último Diamante) fez um trabalho competente em Promessa ao Amanhecer ao escolher costurar a narrativa do longa-metragem não com as vicissitudes da vida de Gary em si, mas com a complexa relação do escritor com sua mãe, uma figura apresentada como a ambivalente rosa dos ventos do protagonista.

    O roteiro, assinado por Barbier em parceria com Marie Eynard, adapta o livro autobiográfico que dá nome ao filme. Em mais uma prova de sua versatilidade como atriz, Charlotte Gainsbourg encarna Nina Kacew uma figura materna que pode parecer meramente arquetípica, mas, aos poucos, se revela intrincada, cheia de traumas e esperanças. A ligação umbilical com Romain, vivido na fase adulta por Pierre Niney e na infância e adolescência por Pawel Puchalski e Némo Schiffman, respectivamente, se dá de forma ambígua, mas sempre carinhosa.

    Os dois se amam com muita intensidade e Promessa ao Amanhecer mostra como esse sentimento pode assumir facetas das mais distintas, da cumplicidade ao afastamento, da dedicação incondicional ao antagonismo. Com uma mãe que o moldou para a grandeza, o filme trata de como Romain viveu tendo que suprir as projeções que ela fez sobre ele, o que se transforma numa angústia que só cresce e dá ao filme um ritmo envolvente em suas mais de duas horas de duração. É comum assistir a cinebiografias que valorizam em demasia a figura que se propõe a retratar. Por isso mesmo é interessante acompanhar esta narrativa em que os feitos do protagonista não são um fim, mas sim um meio de lidar com uma uma pressão que age nele como uma faca de dois gumes, parecendo esgotá-lo e motivá-lo em igual medida.

    É particularmente especial o tempo que o filme reserva à infância de Romain na Polônia, onde a câmera de Barbier se posiciona na altura dos olhos do protagonista e o espectador tem a oportunidade de enxergar Nina com a mesma admiração e temor que o menino. Puchalski entrega uma atuação doce e segura enquanto sua inocência pueril é desafiada pelo crescente antissemitismo europeu do período entreguerras, pelos problemas financeiros enfrentados por sua mãe e pelas experiências com a arte, o amor e a violência. Nesta fase, a iluminação natural é capturada de forma brilhante, criando uma atmosfera de sonho, de nostalgia.

    Barbier conduz seu filme de maneira segura e sem muitos maneirismos distrativos, parecendo seguir a tradição das (boas) cinebiografias produzidas no Reino Unido. O filme não é perfeito, entretanto. O diretor lança mão de alguns clichês de direção (a despedida na estação de trem é onde o melodrama desanda brevemente) e de roteiro (como as falas "proféticas" que Gary ouve em sua infância e o fato de ser fácil deduzir o desfecho do filme muito antes de seu final por conta de linhas sugestivas demais), mas também sabe entregar uma produção multivalente em qualidades. O design de produção recria com fidelidade os ambientes da época, os figurinos são impecáveis, a direção de arte é competente e a montagem é cirúrgica.

    Há fluidez entre os diversos segmentos do longa-metragem, que cobre décadas na vida de Gary. A boa continuidade se deve ao ótimo trabalho de atuação do elenco principal que faz com que a passagem do tempo se dê de forma natural da pureza do pequeno Puchalski, à tempestividade do adolescente Schiffman até chegar no turbilhão emocional de Niney, que na fase adulta precisa aprender a lidar com o legado de expectativas deixadas por sua mãe. Gainsbourg, que curiosamente costuma falar abertamente sobre a pressão de ser filha de dois artistas famosos, é gigante em cena no papel de uma mãe que projeta suas realizações em seu único filho. Sua personagem tem a força necessária para ser tanto um abraço amigo quanto uma postura inquisidora, o que força Gary a inventar êxitos que não teve em nome de sua aprovação. Nina, porém, está longe de ser minimamente vilanesca. Ela é o motor das aventuras do filho e a relação afetiva deles só funciona tão bem em cena por conta da fina sintonia entre Gainsbourg e Niney. Eles fazem de Promessa ao Amanhecer ser quase um filme de romance que troca o amor romântico por um difuso e árduo amor fraternal.

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    Comentários

    • Dolacio J
      Bom filme ! Apesar que a direção optou por uma linha mais teatral e acadêmica. Os atores estão sensacionais (emocionam), imagens lindas, ótima parte técnica, bom roteiro. Mas um pouco longo, uns 15 a 20 min. a menos não iria fazer falta. - Nota: 7,5
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