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    Fassbinder - Amor sem Cobranças
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Fassbinder - Amor sem Cobranças

    Como nascem os gênios?

    por Bruno Carmelo

    Desde o início do cinema, a crítica autoral e genética busca compreender de que maneira a personalidade de um criador se transmite à obra, e quais traços em comum uniriam todos os grandes talentos cinematográficos. Em outras palavras, essa investigação é movida por um mistério fundamental: Como surge o talento?

    A partir dos anos 1950, com a ascensão da revista francesa Cahiers du Cinéma e dos críticos François Truffaut, Jean-Luc Godard e companhia, a política dos autores foi desvirtuada, transformando-se em culto à personalidade. A ideia não era mais compreender a formação do gênio, mas selecionar seus traços persistentes para defendê-lo em qualquer novo filme. Como se julgava Eric Rohmer um bom autor, era necessário que todos os seus filmes fossem bons, porque eram o reflexo direto da personalidade genial de seu criador – e o talento é um dado não perecível. Este foi o pensamento que deu origem aos “autores escolhidos” da revista, contra aqueles que seriam “apenas diretores”.

    O documentário Fassbinder - Amor Sem Cobranças resgata a investigação sobre o talento, mas sem considerar o cineasta alemão genial a priori. Como numa pesquisa de caráter acadêmico, o diretor e amigo de Rainer Werner Fassbinder, Christian Braad Thomsen, divide seu filme em capítulos numerados, com título e citação introdutória, tentando estabelecer as origens da personalidade complexa e admirável de Fassbinder. As teses não são mirabolantes: Thomsen busca compreender o colega através das relações com os pais na infância, de seus relacionamentos homossexuais fracassados, do contexto de angústia da Alemanha pós-Segunda Guerra. Ou seja, usa-se as ferramentas tradicionais de pesquisa sociológica (a História, a política) e psicológica (a psicanálise, com suas noções de complexo de Édipo, narcisismo, projeção, histeria e afins).

    Thomsen começa a submeter hipóteses à análise dos fatos. Fassbinder seria obcecado pela paternidade em virtude de sua relação possessiva com aqueles que ama; ele trabalharia de maneira compulsiva (foram 60 filmes até a morte, aos 47 anos) para exercer uma posição de controle; ele filmaria mulheres em situação de dominação em função de sua misoginia intrínseca, e projetaria seu próprio sadomasoquismo nos personagens. Estas teses são sustentadas por farto material de arquivo, usado de maneira discreta e precisa, e pelo depoimento assustador de seus atores, que retratavam o comportamento particular de Fassbinder. “Eu era uma possessão dele, então aceitava que ele me humilhasse”, diz Irm Hermann. Os relatos de suicídio são numerosos ao longo da projeção.

    Para equilibrar o tom verborrágico e professoral de sua própria narração, Thomsen inclui algumas percepções pessoais, intuições impossíveis de se comprovar, mas que fornecem mais uma possibilidade de leitura. Mais do que amar o colega, o diretor dinamarquês é fascinado pela tentativa de compreendê-lo, e é isto que torna Fassbinder - Amor Sem Cobranças tão interessante. Ao invés de uma elegia, encontra-se um pesquisador debruçado em seu laboratório, analisando cada fato com lupas, microscópios e exames. O título do documentário, neste sentido, soa irônico: nem Fassbinder, chantagista e possessivo, nem Thomsen, questionador compulsivo, manifestam um amor sem cobranças. Pelo contrário, o afeto nesta obra é condicionado à presença do outro, à existência de provas e às ferramentas científicas.

    Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.

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