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    Meu Rei
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Meu Rei

    Montanha russa

    por Bruno Carmelo

    “Não é possível trabalhar como atriz sem ser neurótica”. A frase é pronunciada por Maïwenn, em sua primeira experiência na direção, O Baile das Atrizes. Ela interpreta a si mesma, num falso documentário sobre atrizes histéricas, carentes e complexadas. Desde então, a cineasta tem compreendido conflitos como sinônimo de catarse: em seus filmes, os personagens estão sempre rindo, chorando, gritando. O silêncio ou o tédio não interessam à diretora.

    Depois de uma comédia (O Baile das Atrizes) e um drama social (Polissia), a incursão de Maïwenn pelo romance poderia despertar receio. No entanto, o estilo exagerado da cineasta, aplicado ao melodrama, trouxe o melhor filme de sua carreira até o momento. A história parte de uma premissa simples: Tony (Emmanuelle Bercot) é uma mulher frágil que se apaixona por Georgio (Vincent Cassel), homem sedutor e independente. Eles se casam, têm um filho, e a narrativa acompanha as inúmeras cenas de amor e de ódio entre a dupla, que levam à destruição de Tony e a duas tentativas de suicídio.

    A estrutura é marcada por momentos de alegria intensa ou tristeza profunda: não basta que o casal se divirta juntos, é preciso mostrar que Georgio faz verdadeiras palhaçadas para Tony rir, no meio de um restaurante. Não basta que eles se detestem: Georgio também declara que pretende morar só no instante em que descobre a gravidez da esposa. Na montanha russa emocional proposta pela trama, são descartados os momentos de tranquilidade. Toda felicidade constitui o prelúdio para uma queda.

    O projeto funciona em grande parte devido à ótima dupla de atores. Bercot torna a paixão verossímil, apesar das atitudes extremas que a personagem toma, e Cassel faz o “cafajeste sedutor” com a facilidade de quem vem interpretando papéis semelhantes há anos no cinema francês. O jogo de cena entre eles é excelente: em diversos momentos, é possível acreditar que suas falas são criadas pela primeira vez diante da câmera, e que muitos gestos e piadas ocorrem em total liberdade criativa. As cenas com os amigos interpretados por Louis Garrel e Isild Le Besco confirmam o talento de Maïwenn para a estética realista, acentuada pela câmera na mão e luz natural.

    O roteiro também possui qualidades dignas de nota, como a construção eficiente do passado dos personagens. Sem fornecer muitas explicações, Meu Rei mostra de que maneira Tony teve sua autoestima prejudicada por vários relacionamentos abusivos, ao passo que Georgio desenvolveu uma relação descartável com as mulheres. Embora acerte na psicologia dos personagens, o texto aposta em algumas metáforas muito ruins. A principal delas diz respeito ao joelho: a protagonista fratura esta parte do corpo, e uma terapeuta sugere que o ferimento seria proposital, ligado a problemas no passado, já que o joelho é a única articulação que dobra para trás. Como se o símbolo não fosse ridículo o suficiente, a história o repete uma dezena de vezes, mostrando a recuperação de Tony na fisioterapia em paralelo com a história de amor, em flashback.

    Outro problema se encontra na duração: por apostar tanto no realismo e no labirinto emocional da protagonista, o filme nunca sabe quando acabar – afinal, a personagem continua vivendo, e seu amor segue existindo. A trama se estica numa duração excessiva, de modo que o terço final é marcado pela repetição de brigas e amores vividos anteriormente. A reprodução de brigas na rua, brigas no restaurante e brigas com os amigos pode ser importante para construir a noção de desgaste, mas se torna cansativa para o espectador. O roteiro passa por muitos cenários e muitos anos da vida da dupla, dando a impressão de que o recorte temporal poderia ser mais longo ou mais curto, sem prejuízo à fruição da trama. Mesmo assim, com excessos e defeitos, Meu Rei constitui uma bela e dolorosa história de amor.

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