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    São Silvestre
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    São Silvestre

    O movimento de São Paulo

    por Bruno Carmelo

    São Silvestre não é um documentário tradicional. Ao invés de usar fatos, dados e entrevistas para relatar a história da maior corrida de rua do Brasil, a diretora Lina Chamie prefere criar um retrato sensorial não apenas dos corpos em movimento, mas de toda a cidade que se move. No início, durante mais de vinte minutos, a câmera acoplada ao ator Fernando Alves Pinto limita-se a correr pelas ruas, indo do centro da cidade à Avenida Paulista. Os carros, o asfalto e os prédios são retratados em um passeio solitário.

    Logo começa a corrida em si. Com preocupação de representatividade, o filme mostra tanto a corrida dos profissionais quanto dos amadores, destacando homens e mulheres, além de corredores com deficiência. Chamie tem o olhar atento a qualquer elemento que destoe do conjunto – uma pessoa mais eufórica na plateia, um corredor fantasiado de algum personagem famoso – e não hesita a colocar a trilha sonora do Sítio do Pica-Pau Amarelo quando vê uma corredora em trajes de boneca Emília, ou então o som imaginário de uma partida de futebol quando os atletas passam diante do estádio do Pacaembu. O registro do documentário abandona os fatos para adentrar o imaginário coletivo da cidade.

    São justamente as escolhas estéticas de Chamie que mais chamam atenção no projeto. Para um filme de 80 minutos e sem nenhum conflito, limitando-se essencialmente a imagens de pessoas correndo, São Silvestre é bastante ágil. Não se pode criticar a diretora por não tentar conferir ritmo ao conjunto: existem imagens de dentro e fora da multidão, vistas aéreas e do chão, momentos com a respiração do ator, outros com trilha sonora de orquestra, ou ainda instantes em que os dois sons se combinam. A cineasta filma os corredores de lado, de frente, por trás, com câmera parada ou móvel, reta ou angulada, com filtros vermelhos e amarelos, e mesmo imagens positivas e negativas. Como o cartaz multicolorido pode sugerir, este é um verdadeiro exercício estético, em que todos os recursos de imagem e som são usados sem moderação. Chamie e o editor Umberto Martins parecem ter se divertido muito na sala de montagem, onde o documentário realmente ganha forma.

    A grande diversidade das escolhas pode dar a impressão de que a estética é um tema mais importante do que a própria corrida. Afinal, a diretora poderia ter aplicado as mesmas dezenas de filtros, cortes e ângulos a qualquer outro tema, e poucas opções (como a câmera acoplada ao ator) são especificamente pensadas para retratar o movimento. A corrida de São Silvestre às vezes torna-se coadjuvante de seu próprio filme, e em certa altura do documentário pode-se abstrair o desfile de pernas para perceber apenas os prédios, o céu e a música imponente da Primeira Sinfonia de Mahler.

    Mesmo assim, a diretora desejava retratar o movimento dos corpos e das cidades como um deslocamento contínuo e interligado, como um espetáculo de sons e cores, e neste sentido obteve sucesso na empreitada. São Silvestre pode não ser um documentário particularmente agradável ou informativo, mas ousa nas formas e na pretensão de representar em imagens a sensação de se participar de um evento tão grandioso.

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