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    O Herdeiro do Diabo
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Herdeiro do Diabo

    Momento de crise

    por Bruno Carmelo

    É difícil escrever sobre um filme de terror como O Herdeiro do Diabo. Por um lado, a produção é competente: os diretores Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin compreendem bem as regras do found footage (o estilo com imagens supostamente amadoras, gravadas pelas próprias vítimas); os protagonistas, Allison Miller e Zach Gilford, têm atuações acima da média para esse tipo de filme; o montador sabe o momento exato de cortar as cenas e usar elipses. Talvez a maquiagem seja muito fraca, e o uso de som deixe a desejar em um gênero tão dependente de efeitos sonoros mas, de maneira geral, o conjunto é digno de outros filmes de terror como Atividade Paranormal, [REC] e afins.

    No entanto, não existe um único momento de originalidade no filme inteiro. Certo, nenhuma história é obrigada a revolucionar o gênero, mas faz sentido pensar que um novo filme terá pelo menos alguma ideia, algum conceito visual, algum ritmo diferente dos demais. Mesmo assim, O Herdeiro do Diabo segue à risca todos os códigos, reviravoltas e clichês desse estilo de terror: os sustos vindos de fatos banais (uma porta que se fecha, uma janela que se abre), a luz da casa apagando sozinha no momento de suspense, as mulheres como principais alvos dos demônios, o mal provindo de uma cultura exótica e politeísta (no caso, uma seita da República Dominicana), as imagens de horror que são gravadas pelas câmeras, mas vistas apenas pelos olhos voyeuristas do público.

    Alguns críticos sugeriram uma semelhança com O Bebê de Rosemary, por causa da história sobre uma gravidez demoníaca, mas os dois filmes não poderiam ser mais diferentes: enquanto o clássico de Polanski brinca com a insinuação e a dúvida, aqui tudo é explícito. Ninguém duvida que a pobre Samantha está carregando um bebê do diabo, por causa das imagens um tanto risíveis da barriga se mexendo de forma estranha, e da mulher ganhando super poderes. Não existe suspense, já que a possessão é exposta didaticamente ao espectador, com sucessivas provas (os ataques de raiva, a fome por carne crua). Além disso, para os fãs de um terror chocante, este aqui tem pouquíssimas mortes, e quase nenhuma gota de sangue.

    O problema é que o próprio gênero do found footage parece ter se esgotado nestes últimos anos. As produções recentes têm sido um fracasso de público e de crítica, justamente porque começam a se parecer todas iguais. Muitos gêneros se repetem à exaustão, como as comédias românticas, mas o subgênero do found footage é um caso ainda mais grave, porque a estética da imagem filmada pelos próprios personagens cria muitas limitações estéticas e narrativas. É difícil justificar porque os personagens filmam tudo, o tempo todo, é difícil esclarecer porque as manifestações obscuras ocorrem apenas quando a câmera está ligada, mas não sendo operada por ninguém (Satã seria tímido, por acaso?), é difícil explicar como os personagens se cortam, sangram e enviam móveis pelos ares, enquanto a câmera permanece em perfeito estado, gravando. O show deve continuar.

    Sem dúvida, todos os gêneros implicam um pacto de credulidade com o espectador, mas os últimos filmes do found footage têm levado a boa vontade do público longe demais. Em O Herdeiro do Diabo, a câmera faz um movimento panorâmico sozinha para capturar a protagonista passando de um cômodo ao outro, e depois aparece em momentos estratégicos, sabe-se lá como, em enquadramentos devidamente angulados, para captar as aparições fantasmagóricas. O abertamente precário A Bruxa de Blair, de 15 anos atrás, deixa saudades – quem se lembra daquela ótima conclusão, que sugeria ideias tão atrozes e assustadoras?

    O Herdeiro do Diabo, por fim, não é um filme horrível, ele é apenas um filme a mais. Deve ser provavelmente esquecido após o término da sessão, embora a cena final ingenuamente abra as portas para uma sequência. O found footage passa por um momento de crise, e ao invés de ficar replicando às dúzias essas histórias idênticas – fenômeno que só deve parar quando estas produções baratíssimas não se tornarem mais rentáveis -, talvez alguns cineastas e produtores mais criativos poderiam pensar em novas maneiras de reinventar o estilo. Novos motivos para deixar a câmera sempre ligada, novas possibilidades de ponto de vista, novos contextos em que demônios e possessões voltem a despertar medo.

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