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    O Homem das Multidões
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    O Homem das Multidões

    Poesia explícita

    por Bruno Carmelo

    O primeiro choque diante deste filme brasileiro é o formato de tela quadrado. A janela 1:1 tem se tornado o quadro contemporâneo por excelência, apropriado ao Instagram, aos celulares, aos selfies, ao egocentrismo e ao individualismo, porque esconde o que existe ao redor, mostrando apenas o objeto ou pessoa central da imagem. Neste drama, o formato também é usado para reforçar a vida claustrofóbica e solitária de Juvenal (Paulo André), condutor dos metrôs, sem família nem amigos.

    Aliás, a situação de Juvenal é pior do que isso: ele não conhece ninguém, não faz nenhuma atividade que lhe dê prazer, não tem desejos nem paixões. Para acentuar a sua solidão, o roteiro coloca-o nas ruas, caminhando contra a multidão, depois em um apartamento barulhento, onde cada copo de plástico amassado tem o som de um pequeno trovão. Mais do que o formato quadrado, O Homem das Multidões chama a atenção por sua estética explícita, tão coerente quanto óbvia.

    Para representar a vida entediante do protagonista, a fotografia opta por cores pouco saturadas, em tons de cinza e bege. Para mostrar que ele não tem outros prazeres na vida, este metroviário passa todos os dias em casa, com uma camiseta do sindicato dos metroviários, e o único objeto na mesa de sua casa é a miniatura de um vagão de metrô. Quando ele limpa o chão da casa, fala sozinho sobre os trens bala. Igualmente, a direção de arte opta pelos indícios mais visíveis da solidão: ele tem em sua casa apenas um copo, pouquíssimos móveis, e não tem contato com a tecnologia.

    Sua parceira neste filme, Margô (Sílvia Lourenço), é igualmente solitária, mas está inserida na ideia de “multidão solitária” de David Riesman: ela sente que se integra, participa do consumo de massa, usa celulares, computadores e todos os aparatos disponíveis, mas tem uma curiosa consciência de sua tristeza, quando afirma algo do tipo “É engraçado, a gente conhece tanta gente na Internet, mas ninguém na vida real, né?”. Como se esta situação já não estivesse suficientemente clara, os raros diálogos tratam de torná-la ainda mais evidente. Seguem imagens de ruas vazias à noite, reflexos de rostos tristes nas vidraças, Juvenal olhando para o vazio, Margô pensativa diante das imagens de câmeras de segurança.

    Para um filme de evidente pretensão poética, é curioso que faltem em O Homem das Multidões metáforas ou ambiguidades. Os significados são diretos, superficiais: estas pessoas são tristes, solitárias, como fantasmas. Não há nada mais óbvio do que filmar a tristeza de maneira triste, e neste sentido até a escolha inusitada do enquadramento 1:1 é menos instigante do que se propõe, por oferecer exatamente o que se esperaria da tela quadrada: a redução da imagem disponível. Vale lembrar que Lucrecia Martel já tinha obtido uma claustrofobia inquietante em A Mulher Sem Cabeça através do cinemascope, e que Kleber Mendonça Filho retratou a solidão urbana com muito mais nuances e menos maneirismos no belo O Som ao Redor, por exemplo.

    As atuações tampouco ajudam. Paulo André, provavelmente instruído pelos diretores Marcelo Gomes e Cao Guimarães a atuar com o mínimo de vigor necessário, parece mais uma tela em branco, um rosto pálido e inexpressivo. Silvia Lourenço, pelo menos, consegue atribuir alguma vitalidade à sua personagem. Depois de filmes poéticos, mas cheios de desejo de cinema e desejo sexual (Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, Era Uma Vez Eu, Verônica), Gomes optou por retirar de seus personagens a vida, o tesão, a fúria, transformando-os em produtos pasteurizados da cidade grande.

    Felizmente, a conclusão começa a atingir um belo lirismo, muito discreto, mas que ganha o peso de um evento notável por se suceder à voluntária monotonia da projeção. A música tem espaço, o roteiro leva seu personagem a um casamento, força-o a interagir com outras pessoas e constrói finalmente alguns conflitos. É uma pena que estes momentos interessantes cheguem tão tarde na história. O Homem das Multidões parece tão limitado por suas opções estéticas que nunca deixa os seus personagens ganharem vida por si próprios. Juvenal e Margô são meros exemplos de uma tese, ilustrações extremas, e por isso didáticas, do conceito não muito inovador da individualidade do homem contemporâneo.

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