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    Tatuagem
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Tatuagem

    O valor do afeto

    por Francisco Russo

    Tatuagem é daqueles filmes essenciais. Mais até do que pela sua qualidade, o longa-metragem dirigido por Hilton Lacerda se destaca mesmo é pela proposta que traz a um cinema brasileiro cada vez mais careta, onde certos assuntos são tratados como tabu e com um moralismo implícito cada vez maior. Dono de uma naturalidade impressionante no desenrolar da história, especialmente ao abordar assuntos densos e por vezes complicados pela polêmica inerente que trazem consigo, o filme na verdade ganha (muita) força ao tratar seus personagens sob a questão do afeto. Não importa se são homens ou mulheres, gays ou hetero, isto é mero detalhe. São pessoas, seres humanos, que se apaixonam uns pelos outros e, vivendo aquele momento, se entregam à força do que sentem sem pensar duas vezes.

    Diante deste cenário, Tatuagem não se prende a qualquer pudor em relação à história que oferece ao espectador. Sim, há cenas de nudez frontal. Sim, há cenas de sexo entre dois homens. Sim, há muito sarcasmo e deboche, com diálogos e letras de canções apimentadíssimas! Só que tudo isto faz parte do cenário do Chão de Estrelas, a trupe liderada por Clécio (Irandhir Santos) cujos integrantes vivem no melhor estilo do “amor livre”. Retire algum destes elementos e o Chão de Estrelas não teria o mesmo ambiente anárquico e sem limites, desenvolvido com brilhantismo por Hilton Lacerda. Mais ainda: perderia a função implícita de servir de contraponto à dura realidade vivida no Brasil, na época governado pela ditadura militar.

    Este inclusive é um dos pontos mais interessantes do longa-metragem, ao usar o personagem Fininha (Jesuíta Barbosa) para denunciar a hipocrisia existente por trás de regimes autoritários, como é o militarismo em geral. O que na verdade é também uma humanização da figura do soldado, treinado para executar ordens sem contestá-las mas que, por baixo da farda e do capacete, é também um ser humano, com anseios e desejos. Mais uma vez, a questão do homossexualismo é menor diante da repressão existente e do que se faz para driblá-la de forma a manter alguma aparência.

    Entretanto, por mais que Tatuagem seja um filme extremamente rico em conceitos e análises, dificilmente funcionaria caso não fosse realizado por um elenco extremamente coeso e dedicado. Irandhir Santos é uma avalanche em cena, dono de sutilezas impressionantes ao compor o personagem mais experiente da trupe. Rodrigo Garcia simplesmente explode na tela, fazendo de sua Paulete uma personagem difícil de esquecer. E há ainda Jesuíta Barbosa, cujo papel talvez seja o mais difícil de todos, justamente por ter que transitar entre o mundo livre do Chão de Estrelas e o regrado do quartel onde serve como soldado. É este trio que define a alma de Tatuagem, protagonizando cenas impressionantes onde fica visível, palpável, o afeto entre os personagens.

    Diante de tamanho impacto, o pecado de Tatuagem acaba sendo seu desfecho um tanto quanto problemático, que mistura a narrativa com uma certa dose de filosofia. A impressão que fica é que o diretor optou por um término mais abstrato na intenção de manter vivo o ideal do Chão de Estrelas. Ainda assim, Hilton Lacerda oferece ao público uma cena apoteótica com a inesquecível “Polka do Cu”. Excelente filme, com certeza um dos melhores do ano não apenas pela qualidade, mas também por tudo o que representa.

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    Comentários

    • Sol
      Falar que não importa se são gays ou heteros.. Ao fazer esse início de crítica já não dá pra ter qualqueer confiança/credibilidade no texto que segue. O papo são só seres humanos, é de dar nojo pela hipocrisia que tenta abafar as questões Gays e do público LGBTqIA+ que assiste. Não são seres humanos, somos sapatonas, viados, trans, travestis, e cada ser humano destes grupos tem aspectos que o filme aborda, e muito bem. O termo é HOMOSSEXUALIDADE, jamais homossexualismo. Aff,que autor atrasado no tempo...
    • Nei S.
      O filme é ótimo! Alguns diálogos só me foram percebidos com legenda, como os dois na beira do riacho. A crítica feita aqui usa termos inapropriados sobre homossexualidade.
    • Estefania
      O filme realmente é excelente, atores arrasaram nas cenas. Apenas questiono o excesso de cenas explícitas eróticas no cinema brasileiro, acabam descambando pra vulgaridade. Basta ter em mente alguns filmes americanos como O Segredo de Brokback Mountain e o recente Me chame pelo seu nome. A sutileza manda lembranças.
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