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    A Memória que Me Contam
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Memória que Me Contam

    Sensações de uma geração

    por Francisco Russo

    Cineastas às vezes fazem filmes que são nada mais do que a representação de suas angústias de momento, sendo uma espécie de catarse que precisa ser realizada para, de alguma forma, materializar aquela sensação incômoda. É o que acontece com Lucia Murat em A Memória que Me Contam, seu mais recente filme. Nele a diretora traz a público uma história muito particular, envolvendo não apenas a experiência por ela vivida em decorrência da morte de uma velha amiga, Vera Sílvia Magalhães, mas também as dúvidas que rondam sua mente. O resultado é um filme interessante pelo tema que aborda, os resquícios da ditadura militar, mas ao mesmo tempo um tanto quanto vago por ser esta também a sensação da diretora diante dos eventos do passado.

    Tudo gira em torno da ex-guerrilheira Ana (Simone Spoladore, em boa atuação), que está à beira da morte. Guerrilheira na juventude e marcante na vida de várias pessoas, ela vê vários de seus amigos fazerem uma espécie de plantão na sala de espera do hospital em que está internada, todos angustiados por alguma notícia positiva vinda dos médicos. Este cenário é um dos momentos mais interessantes do filme, nem tanto pelo que de fato acontece ali mas pela reunião de ícones da elite intelectual do país. Há a cineasta Irene (Irene Ravache), claramente inspirada na própria diretora, o ex-guerrilheiro que se tornou ministro (citação implícita a José Dirceu) e um mix variado de pessoas que, bem ou mal, sobreviveram à ditadura. É a partir destas conversas que muito do que se pensa sobre o país nas últimas décadas vêm à tona, levantando questões bastante interessantes.

    Há também o outro lado do filme, mais onírico e reflexivo, que é por onde a própria Simone Spoladore perambula. Ela na verdade é a lembrança que as pessoas têm de Ana: uma mulher forte, corajosa, sedutora e que sempre teve paixão pela vida. Com seu corpo à beira da extinção, sua memória acalenta os amigos e desperta perguntas sobre o que realmente representou a ditadura militar para a geração que, hoje, está na casa dos 60 aos 70 anos. Ou seja, a geração da própria Lucia Murat. É neste ponto que afloram as dúvidas de Irene, ou melhor, da diretora.

    Com diversos questionamentos existenciais, especialmente se deveria ter seguido a batalha encampada por Ana na guerrilha, A Memória que me Contam carrega consigo uma certa culpa por ter sobrevivido e, mais ainda, por não ter feito mais. Da mesma forma, o filme reposiciona a própria elite a qual destaca, não colocando-a como pessoas mais importantes apenas pelo fato de discutirem assuntos deste porte. Trata-se de uma espécie de mea culpa necessário – e até ousado – desta geração em relação à sociedade brasileira como um todo.

    Por mais que várias das questões levantadas sejam bastante interessantes – e algumas até motivo para debate após a sessão -, A Memória que me Contam acaba se perdendo, como filme, justamente nas dúvidas que carrega consigo desde sua gênese. Trata-se de um filme mais de sensações, onde perguntas são lançadas sem que haja, ou se busque, alguma resposta. Interessante como proposta, acaba cansando bastante como narrativa. Destaque para a participação de Franco Nero como o marido de Irene e o lado político que o personagem também carrega, só que desta vez relacionado com sua Itália natal.

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