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    A Jovem Rainha
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    A Jovem Rainha

    Novela de época

    por Rodrigo Torres

    Aki Kaurismäki alcançou a consagração máxima no Festival de Berlim 2017 com uma complexa "convergência entre temas sociais e estética cômica" em The Other Side of Hope. Dias depois, curiosa e infelizmente, o último longa-metragem do irmão mais velho e provável inspiração profissional Mika Kaurismäki é lançado no Brasil, revelando-se uma experiência completamente destoante. A Jovem Rainha se encontra bem aquém das láureas e elogios ao trabalho do caçula, como também da grandiosidade da figura biografada.

    Cristina da Suécia é a personagem, cravada na história como uma mulher bem à frente de seu tempo. Órfã do rei Gustavo II Adolfo aos 6 anos, a pequena herdeira viria a assumir o trono efetivamente 12 anos depois, numa condição muito privilegiada por sua base intelectual e filosófica. Sua personalidade forte e veia questionadora, no entanto, se chocam com a sua representação política. A Suécia do século XVII não aceita o fim da Guerra dos Trintas Anos e outras modernizações propostas pela rainha, assim como sua recusa em se casar e seu evidente interesse amoroso pela Condessa Ebba Sparre.

    Esse breve resumo sobre a vida de Cristina e causos menores, até abordados em excesso, são respeitosamente lembrados em A Jovem Rainha. O problema é a articulação dessa história. O primeiro ponto que chama atenção é o seu registro pobre, entre a suntuosidade dos filmes de época que se avolumam em premiações mundiais e a "sujeira" das obras independentes que buscam emular com maior precisão a precariedade do mundo séculos atrás. A iluminação dos cenários, produzidos sem apuro pela direção de arte, e a percepção de detalhes de um figurino impecável (novo e limpo, não luxuoso) impedem uma atmosfera que remeta ao século 1600 — como se poderia alcançar ajustando o orçamento limitado a uma estética mais naturalista, visceral. O resultado é um filme sem imersão, em que se está sempre ciente de que pessoas fantasiadas participam de uma adaptação; e isto não funciona porque o efeito é involuntário.

    O roteiro de A Jovem Rainha apresenta a mesma forma precária. Tanto que fatos incríveis da vida de Cristina, como a conservação do coração e do cadáver em putrefação do pai e a trágica relação com a mãe, louca, soam como eventos ultraficcionalizados, não acontecimentos reais. A hiperencenação da discussão entre a "Menina Rei" e Maria Leonor de Brandemburgo, aliás, é digna de piores momentos da teledramaturgia. Muito por conta do desenvolvimento chapado da genitora. O desfecho da cena com um flashback ridículo (são dois, ambos ostensivos em seus filtro sépia, foscagem e trilha de sonho ou suspense) é a síntese do tratamento narrativo e estético dado ao longa-metragem: de uma novela de época de baixa qualidade.

    Isso transforma A Jovem Rainha numa adaptação bem aquém dos feitos de Cristina da Suécia. Bem-intencionado, o roteiro de Michel Marc Bouchard se esforça — até demais — em acentuar o símbolo feminista da líder sueca (constantemente lembrado por militâncias contemporâneas), mas esvazia suas atitudes na forma e na contraposição a figuras masculinas tão bestiais. Nem sua inteligência ganha a devida proporção num meio repleto de homens estúpidos, gananciosos, unidimensionais. Linhas de diálogo expositivas, ditas em prantos e voz alta para si (para o espectador, no caso), e o clichê da greve de fome equiparam a fossa emocional da notável Rainha da Suécia à de um adolescente rebelde, emo. Seu romance com Ebba (num desempenho insosso de Sarah Gadon) nunca é retratado com a beleza — a sutileza do toque, o olhar apaixonado, a relação dos corpos sendo captados e transmitidos pela câmera — do equivalente recente Carol. Nem fração disso.

    A Jovem Rainha revela um sintoma recorrente no cinema mundial: uma preocupação excessiva em tão somente se contar uma história, e da maneira mais acessível possível. Função sobre a forma. O que resulta em má representação. Diz-se que há uma grave crise no reino da Suécia, mas não se evoca essa urgência, pouco se vê. Episódios aleatórios com Rene Descartes, como a demonstração da glândula pineal e sua morte (numa encenação vergonhosa), se sobrepõem à boa construção de seu brilhantismo. Apesar dos esforços da atriz Malin Buska, o temperamento impulsivo de Cristina se confunde com pirraça, quando mostrar as decapitações ordenadas pela rainha contra seus detratores revelaria sua real personalidade — tão mais provocante, interessante. Opta-se pelo caminho mais fácil, toda complexidade se esvai.

    Mika faz só mais um filme, portanto. Algo esquecível, um veículo em detrimento da arte. Em reunir esses dois elementos, quem coleciona prêmios é Aki.

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