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    Blade Runner 2049
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Blade Runner 2049

    O muro entre as espécies

    por Francisco Russo

    Por mais que a ambientação sombria de um futuro nem um pouco otimista seja inebriante, o brilho maior de Blade Runner, o Caçador de Andróides está no fato de que os vilões do filme nada mais querem além de viver. Tal situação abre várias portas acerca do significado da vida, seja ela natural ou artificial, passando ainda pelo preconceito e a própria escravidão de uma espécie sobre outra. Trinta e cinco anos depois, o diretor Denis Villeneuve investe nestes mesmos ideais para apresentar um novo Blade Runner, ao mesmo tempo profundamente reverente ao original mas que também aponta caminhos para o futuro.

    O maior acerto de Blade Runner 2049 está na manutenção da ambientação que consagrou o filme dirigido por Ridley Scott - que retorna nesta sequência, agora apenas como produtor executivo. Os carros voadores, a chuva (ou neve) constante, os prédios imensos com poucas pessoas nas ruas, os gigantescos painéis em neon... está tudo lá, apontando um futuro decadente onde o brilho vem apenas do que é falso - não por acaso, a única personagem que demonstra vivacidade é justamente uma acompanhante digital programada com tal finalidade. Trata-se de um mundo seco e sério, de preconceitos arraigados, onde as pessoas pagam para ter um vislumbre de felicidade sem se importar se este é verídico. A sensação, ou a necessidade, é mais importante.

    Tal dicotomia entre natural e artificial norteia toda a narrativa de Blade Runner 2049, especialmente através da óbvia comparação envolvendo os replicantes. Já no letreiro de abertura surge a informação que os Nexus 8, vistos no longa original, são bastante raros, por mais que alguns ainda tenham sobrevivido. O colapso dos ecossistemas fez com que a humanidade investisse de vez na agricultura sintética - mais uma vez, o artificial se infiltrando no cotidiano - e uma nova leva de replicantes fosse criada, mais obedientes ao bicho homem, e mais uma vez escravizados. Entre eles está K (Ryan Gosling, intencionalmente sisudo), o blade runner da vez.

    Há uma diferença essencial entre os personagens de Gosling e de Harrison Ford no original, que retorna nesta sequência: K tem consciência de que é um replicante, o que lhe garante uma aceitação tácita de seu destino. Entretanto, é a partir de uma jornada de redescoberta sobre si mesmo que Villeneuve trabalha questões filosóficas sobre alma e vida, de forma a detalhar (e, de certa forma, justificar) o modo de agir das duas espécies racionais que coabitam a Terra, humanos e replicantes. É o muro existente entre eles que leva ao preconceito, manifestado a partir de um sem-número de adjetivos pejorativos, e à própria escravidão - que, por sua vez, remete ao que o homem branco fez com a população negra, séculos atrás. Seria o controle e a dominação de outra espéce uma necessidade humana, manifestada também pela transformação física da Terra em uma imensa selva de pedra?

    Tal questionamento é apenas um dos levantados pelo longa-metragem, não só através da história mas também a partir do deslumbrante visual trazido por Villeneuve e sua equipe. De ritmo intencionalmente lento, Blade Runner 2049 assume contornos claramente contemplativos com o objetivo de seduzir pelo artificial e, a partir dele, questionar sentimentos. A belíssima direção de arte e fotografia ajudam bastante neste sentido, compondo cenários sempre envolventes e atraentes. Ao menos até a aparição de Harrison Ford.

    É impressionante como o ressurgimento de Deckard altera completamente o tom do longa-metragem. Por mais que o retorno de personagem tão icônico imediatamente traga um sorriso aos fãs, é a partir de sua aparição que Blade Runner 2049 assume um viés mais próximo ao de um filme de ação, com vilões dedicando tempo a esmiuçar seus planos e um número bem maior de cenas de ação. Não que tal trecho seja ruim, há um apuro nos efeitos especiais e, mais uma vez, na direção de arte que asseguram o interesse. Mas é tão menor e tão menos relevante ao que foi apresentado até então, que decepciona. Também por apontar um possível futuro para a franquia que, se mal trabalhado, facilmente tende ao palatável em detrimento do que Blade Runner realmente representa: o questionamento sobre o que é a vida.

    Apesar de um terceiro ato inferior ao exibido até então, ainda assim Blade Runner 2049 impressiona pela narrativa visual construída por Denis Villeneuve, absolutamente reverente ao que foi feito por Ridley Scott décadas atrás e trazendo alternâncias simbólicas que ampliam o leque de questionamentos filosóficos trazido pelo longa original. Destaque também para a bela atuação da (por enquanto) pouco conhecida Ana de Armas, da boa presença de Robin Wright , da densidade dramática trazida por Dave Bautista - é sério! - e aos impactantes efeitos especiais, especialmente nas sequências onde há sobreposição de imagens e no nostálgico encontro entre K e Deckard.

    Por mais que não seja uma sequência essencial, é bom notar que caiu em mãos tão respeitosas e que tão bem compreenda do que tratava o filme original, sem descambar para um mero caça-níqueis que se aproveite de uma marca conhecida.

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    Comentários

    • Joseph
      Que ali existiu/existe vida.
    • Marcel Nunes
      Para aquela sociedade decadente e mergulhada no caos, isso é normal, mas a partir da ótica humana,... e os androides, que adquiriram consciência, o que ELES acham disso ??? Este é apenas um dos questionamentos apresentados.Mas, tem muito mais....o que é que é vida (artificial ou natural), o que é liberdade e o que é consciência, etc.... .A critica faz uma analogia entre esta situação e o racismo no nosso mundo.Afinal, os europeus brancos, não achavam que os negros eram uma raça inferior (sem consciência e sem moral) e por isso podiam ser escravizadas ??? ...alguns acham isso até hoje, inclusive o nosso iluminado presidente da republica..E, se você é dono de alguém e tem poder de vida e morte sobre esta pessoa, você tem um ESCRAVO, simples assim.Os androides são um tipo de escravos (isso está implícito), a raça humana tem o controle sobre eles, que por sua vez tem consciência do que é estar vivo e livre, por isso, eles fogem e para capturá-los chamam o caçador de androide, (caçador de escravos do passado).Este é um dos dilemas e provocações do Philipp K Dick, sempre instigante e provocador.Sds..
    • Jose Pereira Souza
      alguém pode me dizer o que representa a flor que o K achou no pé da arvore no começo do filme que o veiculo dele aterriza na fazenda?
    • Diego Witter
      Filme fantástico, eu não conhecia o primeiro, agora vou assisti lo. Destaque para atmosfera, trilha sonora e a visão do futuro sombrio. Para quem gosta de ficção científica, não pode deixar de assistir.
    • Elizabeth Viégas
      Vi o primeiro filme muuuitas vezes, com destaque para a trilha sonora, que até hoje cala profundo em meu coração e digo que essa continuação está muito boa, sim! E, olha, que nunca fui muito fã nem Ryan Gosling, nem de Jared Leto...questão de simpatia mesmo... mas achei bem interessante a condução da história! A fotografia, a ambientação, o ritmo! Não me decepcionou! Dá para rever! Estão todos de parabéns!
    • Henrique Sebastião
      Gostei, malgrado a sombra gigantesca que a obra original inevitavelmente projetaria sobre qualquer tentativa de continuação. Sim, eles conseguiram não estragar tudo. E, bem, os puristas podem simplesmente ignorar. Só acho maçante a imposição obrigatória de certas pautas ideológicas (como a feminista) em absolutamente tudo o que assistimos hoje em dia, desde um filme denso como este até um inocente Toy Story: o vilão assustador tem que ser mulher, o filho de Deckard tem que ser uma filha, o chefe do blade runner tem que ser chefa... Haja saco para aturar ideologia em tudo!
    • Shotokan Karate
      Blade Runner é a tipica obra prima que jamais sequer deveria ter sido cogitada uma sequencia. E as expectativas mais pessimistas se confirmaram. Nada do dilema existencial sobre quem somos e para onde vamos tão presente no original. Nada sobre as duvidas sobre quem são os bons e quem são os ruins que também eram mto presentes no filme original. E pra fechar com chave de ouro um final totalmente vazio e totalmente nada a ver. Que não inventem outra sequencia pra não zoar mais ainda a história.
    • Milton
      Blade Runner 2049 é uma belíssima obra cinematográfica, onde o futuro apresentado na película, é explorado pela transição por diferentes espaços decadentes e sem calor humano. A progressão do filme é feita de maneira lenta, para que o espectador possa absorver o sentimento de estar na pele do protagonista, que vive em um mundo de artificialidade e sem esperança de um futuro melhor.A sinestesia é o foco de Blade Runner, mostrando uma sociedade do descarte, que abandona tudo o que considera não ter mais valor. Um mundo que é apresentado de maneira magistral, seja em regiões de descarte de lixo ou mesmo em uma cidade abandonada. Onde os diferentes tons de cores sempre se apresentam em constante transformação, nos diferentes ambientes. Tudo isso com a intenção de demonstrar que não importa onde você esteja e nem a predominância de cor que você enxergue, a falta de calor humano sempre estará presenteEssa sinestesia também está presente na relação entre K (o caçador de androide) e Joi, a sua companheira virtual. E nos faz pensar sobre qual é a real definição da vida, visto que há uma clara relação de cumplicidade entre o casal. E o filme explora constantemente essas múltiplas camadas da vida, onde o natural se mistura com o artificial, em um balé sem harmonia, em que a barreira do preconceito com aquilo que é diferente, continua sendo a essência, não importa a época. E por falar em balé, essa sobreposição de sentimentos conflitantes é muito bem explorada em uma cena do filme: quando Joi sincroniza sua imagem virtual com o corpo de outra moça, na intenção de demonstrar o seu amor a K. Vale ressaltar o formidável trabalho com os efeitos de som, que aprofunda ainda mais o sentimento de vazio e de desesperança. Ryan Gosling que interpreta K, também tem uma atuação impecável. Seu olhar sempre distante, como se tivesse procurando algum significado na vida, e o sacrificio pessoal em fazer algo por um bem maior, nos leval ao climax do final do filme: onde ele estica a sua mão para apanhar um pouco da neve que está caindo do céu, e parece finalmente entender que ele também é parte do mundo natural, mesmo que não tenha nascido humano.
    • Jonathan Kenji Hirakawa
      Vejo muita gente dizendo que precisa assistir o primeiro filme para entender ou dizendo ainda que o segundo filme é ruim... Bom, não assisti o primeiro filme, entendi o segundo e achei excelente. O problema? Não é um blockbuster.O filme é lento, com cenas longas e arrastadas, o filme é muito mais sobre sentir do que ver. Ele não quer mostrar, quer provocar. O problema? As pessoas não querem mais isso, querem que tudo seja mastigado e entregue a elas de bandeja. Elas estão erradas? De forma alguma!O filme é ótimo para um tipo de público e péssimo para outro. Quem gosta de Velozes e Furiosos jamais irá gostar de Blade Runner e vice-versa. Dois filmes ótimos, para públicos diferentes.
    • Tulio F
      Uma obra prima.
    • Carlos
      Stay Puft? O que é isto, síndrome de Peter Pan? Esta explicado, a criancinha não entende, ainda não tem discernimento e só consegue entender os trejeitos do boçal eleito.
    • Carlos
      Pois é, inteligente é este seu comentário. tsctsc...
    • Paulo Raoni
      Cara. Da maioria dos comentários à favor do filme o seu foi o mais sensato e respeitoso.Eu não gostei muito do filme, mas da mesma forma que você respeita as pessoas que tem uma opinião contrária, eu respeito a sua.
    • Paulo Raoni
      hahahahaBoa. Uma resposta a altura.Estou ficando cansado desses pseudo-intelectuais que se acham seres de outro mundo.
    • Paulo Raoni
      Quanta gente arrogante nos comentários. Agora você dizer que não gosta de um filme diferente quer dizer que você é um ignorante que não sabe apreciar arte. Sério isso?Hoje em dia não se pode mais achar um filme ruim, que vem a patrulha do pensamento crítico especializado dizer que você não tem capacidade intelectual para compreender a maestria e magnitude do filme. Ah me poupe. O filme teve suas partes interessantes sim, alguns efeitos, cenas boas e tal. Mas não foi lá essas coisas. E isso não quer dizer que eu não saiba apreciar um bom filme e uma boa história. Isso é apenas a MINHA OPINIÃO. Aprendam a respeitar a opinião alheia e sejam mais humildes quando forem dizer que uma pessoa não tem intelecto para apreciar arte. Isso é o cúmulo da falta de argumentos para criticar alguém por algo.
    • Paulo Raoni
      Realmente, existem pessoas superiores que são ÚNICAS. E com isso, de forma sublime, conseguem atingir os padrões mais elevados de inteligência intrapessoal e de conhecimentos filosóficos/emocionais.Quanta arrogância, hem?Será que é tão difícil entender que inteligência emocional e pensamentos filosóficos são coisas totalmente subjetivas? Pois o mundo que você enxerga por meio de suas convicções e cosmovisão pode ser um mundo completamente diferente do de outras pessoas.E por fim, ainda que você chegue a uma conclusão desastrosa como essa de pensar que é um ser mais elevado, isso não te dá o direito de dizer que está filosoficamente/emocionalmente acima dos outros. Pelo contrário, apenas que é presunçoso demais para chegar a uma conclusão como essa.Sabe o que realmente é desanimador? É ler um comentário tão cheio de prepotência como esse.
    • CERR
      blade runner 2049 é o seguinte: esse filme não existe; pegue o dvd, q seja, jogue na privada, defeque em cima e puxe a descarga. blade runner é só blade runner e acabou. e vai tomar no cu o riddley scott, o deckard é humano seu viado de merda, um humano q se androidiza, como 99,9 por cento.
    • Gabriel de Oliveira
      assisti ate na metade n aguentava mais continuei ateo final pq n aguento deixar as coisas pela metade, muita enrolação pra pouca coisa
    • Nolo Brosol
      Uma única palavra define esta continuação: DECEPCIONANTE!
    • Hibrid Metall
      para quem já viu 2001 ( este sim profundo e realmente contemplativo), laranja mecânica, blade runner original e até filmes mais novos como mr nobody ( este sim enigmático e de dificil entendimento) e até filmes um pouco mais novos como contato e ainda mais atuais como interestelar, este novo blade runner é até que um filme bom sim, mas nada disso que está escrito no texto. claro que é bem superior à bombas como alien covenant mas deixou um pouco a desejar.. quase como se estivessem planejando ainda um terceiro filme blade runner para encerrar a saga, porque este no meu ver ficou faltando....e 3 horas não são muito para quem tem paciência mas alegar que isto seja uma vantagem por si só não é: o filme original é muito mais profundo, inovador, melhor conduzido e contado em duas horas contra as 3 do novo filme...mas sim, é um filme que vale muito a pena ser visto mas não é tudo que as criticas andam dizendo. a pior parte? a trilha sonora original feita pelo vangelis é nota 10, até hoje tenho ela em um LP! Porém a nova trilha sonora é uma porcaria, e isso que foi feita pelo hans zimmer, que é muito bom, então não entendi a nova trilha sonora ser nota zero perto da maravilhosa original! O filme é nota 7...
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