Lançado em 1982, e baseado no livro de David Morrell, o primeiro filme da franquia Rambo era um sútil manifesto em pró dos veteranos da Guerra do Vietnã, tidos por uma boa parte da sociedade norte americana da época como “inimigos da paz”, pois lutaram em uma guerra sem proposito – e perdida. Ignorados pela população, a volta para casa após o conflito seguiu-se dolorosa para os soldados – deslocados, traumatizados e em um eterno conflito interno em suas mentes e alma – o personagem vivido por Stallone era uma representação bastante eficiente disso – ajudado imensamente pela envolvente trilha-sonora de Jerry Goldsmith, era um filme que surpreendia por ir além da ação – inserindo um incomodo realismo e sua mensagem social – com o sucesso, três anos depois foi a vez da sequência estabelecer a reputação e toda a fama que John Rambo tem até hoje – o segundo filme se apoiava em duas coisas: a ação desenfreada, com uma produção muito mais cara, e uma propaganda para a era Reagan – basicamente, levando o personagem para o Vietnã, como se fosse tentar ganhar a guerra que seu pais perdeu no passado – o filme lucrou bastante nas bilheterias o que obviamente levou ao terceiro e também bem sucedido longa, que fracassou nas criticas pela sua ação grandiosa mas não muito bem inserida em uma trama estereotipada, cometendo até erros históricos – Rambo se alia aos defensores de Osama Bin Laden, por exemplo – enfim, com a queda do muro de Berlin, parecia não fazer mais sentido um novo filme do herói.
Até que em 2008, empolgado com a volta grandiosa de outra franquia de sucesso sua, Rocky Balboa, Stallone decide fazer seu Rambo 4, que demonstrou um desfoque grande dos filmes anteriores por não saber dosar a critica social ao novo cenário ao qual o personagem estava inserido – com uma ilógica apologia a violência, o retorno de Rambo se mostrou um filme pouco criativo, abusando de uma estética de sanguinolência que em nada agregava, assim como não dava nenhuma pista sobre traço algum de personalidade do protagonista – enfim, é nisto que chegamos ao quinto capitulo da saga deste homem, que, senão fosse os últimos dez minutos do primeiro longa, jamais teríamos uma noção de quem ele é ou sente. Sabemos que John vive numa constante guerra com seu passado – mas e aí? O que mais? Rambo: Até o Fim vai tentar ir além – mas, infelizmente, não é muito longe.
Escrito por Stallone e Matt Cirulnick e dirigido desta vez por Adrian Grunberg (Plano de Fuga), o filme foca em explorar John Rambo já na terceira idade, vivendo em sua terra natal, no Arizona, como fazendeiro, morando com sua sobrinha Gabrielle (Yvette Monreal) e a avó dela, Maria (Adriana Barraza) – conseguindo ficar o maior tempo em paz, desde o inicio da franquia, o ex-boina verde parece estar feliz por estar próximo de seus parentes – entretanto, este aparente sossego some, quando Gabrielle acaba sendo raptada por perigosos traficantes de drogas e mulheres no México – o que obriga Rambo a voltar a sua luta, desta vez, indo atrás do paradeiro da moça e dos responsáveis pelo rapto.
É isso. A sinopse já diz o que este quinto Rambo tem a mostrar. Uma história de vingança. Aos moldes de tantas outras obras – como Busca Implacável e Desejo de Matar – enfim, estamos mais próximos de ver outros personagens na composição de Stallone do que o próprio Rambo – se não fosse o terceiro ato, que mostra John aplicando suas clássicas táticas de combate, este filme poderia muito bem ser qualquer outro – não parece que estamos assistindo o longa de um personagem que já encarou o departamento de policia de uma cidade inteira, ou soldados vietnamitas em pleno Vietnã, ou soldados russos treinados no Afeganistão ou sanguinários soldados da Birmânia; Rambo é reduzido a um mero justiceiro, sem nem sequer explicar muito sobre seu passado, antes do Vietnã – em suas conversas com a personagem de Adriana Barraza, John apenas cita detalhes pouco relevantes de sua relação com a família – assim como a forma como entra num conflito com o pai de Gabrielle – um tipo de “gatilho” do roteiro criado apenas para justificar o sumiço da garota – Stallone (com seu roteiro) pensa que apenas inserindo meia dúzia de diálogos de Rambo com a sobrinha já serviria para representar bem a ligação carinhosa que ele tem com ela – o que é mostrado da forma mais simplista possível, embora a atuação da jovem Yvette Monreal seja até eficiente – para ilustrar os sonhos de futuro da menina e de como a figura de John é a paterna, devido a ausência do pai biológico dela – aliado a direção de atores sem brilho, tais momentos não ajudam ou causam impacto sobre os eventos que vem a seguir – o que sabota todas as intenções de criar uma história de vingança que cause algum impacto.
Abrindo o filme com uma desnecessária sequência onde uma represa estoura, só para demonstrar que Rambo ainda é um herói, mesmo estando longe da guerra, o filme já demonstra aí seus descuidos – uma fotografia escura, com enquadramentos fechados e muitas vezes difíceis de observar, além de uma montagem com cortes excessivos – como citei antes, a ação só acontece de fato no terceiro ato – nada original inclusive, já que me lembrou o final de 007 – Operação Skyfall, mas com mais sangue, obviamente - onde os mesmo excessos do quarto filme voltam, embora os efeitos de maquiagem sejam melhores aqui – existe ainda a criação ruim dos vilões – tudo bem que, com exceção do primeiro filme, o forte da franquia nunca foi criar vilões criveis e não maniqueístas, mas, sinceramente, não há absolutamente nada para comentar sobre os personagens Óscar Jaenada e de Sergio Peris – eles traficam mulheres para prostituição, são ricos e desprezíveis – mais nada por trás – em mais uma falha do roteiro desmotivado – que não poupa formas de menosprezar e estereotipar os mexicanos – “a policia mexicana é a mesma coisa do que nada”, diz Rambo – ou o fato de querer demonstrar que a amiga de Gabrielle é uma ladra e cumplice dos bandidos – até mesmo a presença da atriz Paz Vega é desperdiçada, onde ela interpreta uma jornalista que também procura alguém ou noticias de quem desapareceu igual Gabrielle – ou seja, tudo que o filme insere em nada acrescenta ao tema da série – a guerra indo atrás de quem viveu nela – transformando Rambo: Até o Fim em uma experiência que diverte possivelmente os fãs do personagem, mas em nada acrescenta a sua saga – o filme falha em tentar emocionar e se esquece de trazer boas cenas de ação – ingrediente obrigatório para qualquer filme do gênero.
Sentir saudades da propaganda patriótica do segundo filme, por exemplo, não é um bom sinal – afinal, naquele longa, as questões de ritmo e narrativa eram muito bem estabelecidas, mesmo que em função de um roteiro simplista – sem falar que agora o compositor Bryan Tyler não faz tanta questão de inserir temas a altura do que Jerry Goldsmith havia criado lá no começo da franquia, usando o tema clássico poucas vezes – enfim, este quinto longa só mostra que, artisticamente, John Rambo não tem muito o que nos apresentar – a não ser sangue e violência quase que gratuita em volto de uma trama clichê sobre vingança. Se pensarmos nas possibilidades que a primeira parte nos mostrava com uma certa complexidade, o resultado deste novo filme é bastante rasteiro – tão rasteiro que nem parece que Stallone está interpretando o mesmo personagem.