Nada é "tarde demais" em O Último Azul.
por Aline Pereira“Todo mundo quer ser jovem para sempre”, me disse Rodrigo Santoro em entrevista após o lançamento de O Último Azul no 53º Festival de Gramado, primeira exibição do filme aberta ao público brasileiro após a conquista do Urso de Prata no Festival de Berlim. De fato, a evolução exponencial dos tratamentos estéticos e das promessas de rejuvenescimento reafirmam o desejo da juventude eterna. No fim das contas, sabemos que não há escapatória: quem viver, vai envelhecer – e o filme dirigido por Gabriel Mascaro provoca a reflexão de que isso não precisa e não deve ser um tabu.
Em O Último Azul, acompanhamos a história de Tereza (em uma atuação sublime de Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos de idade que vive em um Brasil distópico, em que o governo despacha todos os idosos para colônias isoladas da sociedade. O objetivo é manter alta a produtividade econômica da população jovem, sem que os mais velhos “estejam no caminho”. A lógica perversa é uma extrapolação do mundo real que, refletindo rapidamente, não está tão longe: é comum que o envelhecimento seja visto apenas como o caminho para o final da vida e nada mais.
A protagonista Tereza se opõe fortemente à ideia: determinada a não ser pega pelo “cata-velho”, um veículo com espírito de carrocinha que leva os idosos, ela parte em uma jornada quase mágica em rumo à liberdade. A mulher compra uma passagem para outra cidade e, no trajeto, encontra personagens peculiares, que a confrontam com o significado de amadurecer, envelhecer e ser independente.
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Entre as qualidades de O Último Azul, a atuação de Denise Weinberg é a primeira e talvez a principal que me salta aos olhos. Com trabalhos como Éramos Seis, Salve Geral e De Pernas Pro Ar no currículo, Denise tem um um humor, ironia e seriedade únicos, que tornam sua personagem profunda, carismática e fácil de simpatizar. Tereza está dividida entre o receio, a revolta e a curiosidade quando parte em sua jornada e a determinação contraria o estereótipo mais comum da terceira idade.
Não é que Tereza negue os cuidados – ao contrário, em sua relação com os personagens de Rodrigo Santoro e Adanilo, fica claro o poder de afeto e conexão –, mas ela se nega a se deixar ser vista como inválida. Neste universo em que o filme se passa, há uma insistência desrespeitosa para que as decisões tomadas pelos idosos precisem ser validadas por seus filhos e outra ainda mais absurda que os obrigam a usar fralda geriátrica. É onde o choque da ficção nos força a pensar em como tratamos nosso idosos no mundo real.
Tereza é uma personagem cheia de vida, de vontades e de identidade própria. O envelhecimento não faz com que nada disso seja perdido e, o oposto, dão a ela mais certeza sobre quem é, o que está disposta a aceitar e o que não está. A ideia aqui é deixar claro que o conceito de “tarde demais” precisa ser revisto. Não há “tarde demais” quando o assunto é buscar uma vida mais plena e mais satisfatória.
Ainda que o filme toque em pontos sensíveis e, em certos momentos, incômodos, existe algo de muito acolhedor e aconchegante nele, ambientado em meio à Amazônia. Penso que isso vem de um olhar sensível e próximo de Gabriel Mascaro, que trata com respeito a natureza brasileira e, com isso, também, a natureza humana. Visualmente, o realismo fantástico fica evidente: a beleza amazônica ganha um ar mágico, entre outras coisas, com a presença de peixes e caracóis que nos transportam para o lado mais lúdico da história.
Isso se aplica ainda à construção dos personagens que surgem no caminho de Tereza. Enquanto observamos muito de perto tudo que acontece com ela e suas aflições mais íntimas, os coadjuvantes aparecem em doses pequenas, mas marcantes. Antes de assistir ao filme, fiquei com a sensação de que o nome de Rodrigo Santoro apareceu com um ar maior de protagonismo – que é bem diferente de seu papel no filme.
O astro tem uma participação mais rápida do que se imaginaria, mas não menos impactante, que fique claro. Como barqueiro que leva Glória ao outro lado de sua história, o personagem Cadu também vem carregado de uma história pesada que não é vista pelo público, mas que é fácil de entender. O mesmo acontece com o jovem Ludemir (Adanilo), que traz a ideia do voo livre para Tereza e dos percalços de se libertar verdadeiramente.
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Nessa mesma calma para apresentar os elementos que compõem a trama está também o fator que me tirou um pouco o impacto da experiência. Senti uma inconsistência de ritmo que tornou alguns pontos bastante estendidos, que tornaram o avanço e a linha de pensamento do filme engasgadas em alguns pontos.
No fim, O Último Azul tem tudo para se comunicar e tocar o público de forma universal ao lidar com um aspecto da vida que é inevitável, mas que também tentamos postergar ou, pelo menos, não pensar muito ao longo da vida. A verdade é que envelhecer pode ser, sim, assustador pelo peso social atribuído à maturidade.
Em um mundo feito para os jovens e no qual apenas a juventude é enxergada como bela, promissora e otimista, é difícil não ter medo de rugas que, fosse outro o imaginário coletivo, poderiam ser significado de uma vida vivida. Que bom ver ganhar o mundo uma protagonista mais velha, em uma história cuja qualidade técnica e filosófica nos deixam com uma sensação mais doce sobre a passagem pela vida.