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Wish - O Poder dos Desejos

Ainda há magia após 100 anos?

por Diego Souza Carlos

É quase impossível falar sobre animações sem citar pelo menos uma produção desenvolvida pela Walt Disney Company. Essa premissa não parte apenas de um senso comum, já que o estúdio tem produzido longas que se tornaram clássicos desde os primeiros passos do que chamamos de cinema. Em 2023, a empresa responsável por criar tantas narrativas mágicas e fabulares completa 100 anos, aniversário celebrado com o lançamento de Wish - O Poder dos Desejos.

A trama oferece uma aventura no Reino Mágico de Rosas, onde Asha, uma jovem espirituosa e sonhadora, faz um desejo tão poderoso que é atendido por uma força cósmica: uma pequena esfera de energia chamada Estrela. Juntas, Asha e Estrela enfrentam um inimigo formidável - o Rei Magnífico, soberano de Rosas - para salvar sua comunidade e provar que quando a vontade de uma pessoa corajosa se une à magia das estrelas, coisas maravilhosas podem acontecer.

Quem encara a direção é Chris Buck, responsável pelas animações estreladas por Elsa e Anna, e Fawn Veerasunthorn, de Raya e o Último Dragão. Parte da equipe da Frozen também está envolvida no projeto, como o produtor Peter Del Vecho. Já Jennifer Lee atua como produtora executiva, além de assinar o roteiro ao lado de Allison Moore.

Uma conversa entre passado, presente e futuro

Desde os seus primeiros esboços, Wish sempre foi um projeto de contrastes. Um dos principais pilares da produção está em homenagear o legado da Disney, enquanto tenta apresentar elementos contemporâneos. Isso se expressa, no primeiro olhar, através da linguagem cinematográfica: em prévias e conteúdos antecipados, a diferença em relação aos últimos projetos da casa são notáveis.

Apesar de ser um filme-celebração do centenário do estúdio, uma das inspirações para o estilo de animação está no projeto de outra empresa, Homem-Aranha no Aranhaverso, da Sony Pictures Animation. O vencedor do Oscar de Melhor Animação de 2019 foi um verdadeiro divisor de águas da indústria, já que sua inventividade foi responsável por mexer com o conforto de inúmeros estúdios que produziam o mesmo tipo de filme há mais de dez anos.

Ainda que existam evoluções tecnológicas e visões inovadoras na indústria, principalmente quando falamos do eixo que ultrapassa as barreiras de Hollywood, o CGI foi a regra por muitos anos quando o assunto eram filmes animados. Wish chega para adentrar ao grupo seleto de produções como Gato de Botas 2: O Último Pedido, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante e os próprios filmes de Miles Morales.

Com a incorporação do 2D em seus cenários e o uso do 3D nos personagens, uma significativa mistura fortalece esse diálogo entre o passado e presente: cria uma ponte entre as produções do passado da Disney, enquanto provoca ares de novidade. Apesar de ter uma execução que soa refrescante em oposição ao catálogo visualmente constante da empresa, a animação não impressiona tanto quanto os trabalhos de concorrentes.

As cores, antes vibrantes em produções anteriores, parecem ser menos expressivas em Wish, com a prevalência de uma tonalidade opaca. Já a sobreposição elabora a textura e a profundidade com momentos belos, principalmente quando são apresentadas as paisagens ao redor do Reino Mágico de Rosas. Porém, ao longo da trama, percebe-se que esses cenários não são tão explorados e, apesar de serem bonitos à primeira vista, dão uma estranha sensação - a ponto de alguns pensarem que, de alguma forma, utilizaram chroma keys em uma animação.

Um legado de sonhos (e arquétipos)

Como uma produção que honra as histórias clássicas da Disney, a premissa principal traz dois elementos que fazem parte deste legado: uma personagem que está em completa sintonia às heroínas do passado e um antagonista completamente caricato e vilanesco. Ambos surgem em tela sob os moldes de filmes como Branca de Neve, Cinderela e A Pequena Sereia, mas não deixam de aproveitar atualizações de filmes recentes, dos quais o público pode notar influências de Raya e o Último Dragão, Frozen e Encanto.

O uso desses arquétipos tem um efeito duplo: traz o conforto de voltar a um mundo mágico onde tudo é possível, mas deixa evidente a sensação de que esta fórmula deixa personagens, situações e trama próximos do genérico. Com uma trilha sonora que pode não soar tão emblemática quanto a de Mulan, Tarzan e O Rei Leão e uma aventura com energia inferior às tramas de Aladdin, Lilo & Stitch e Peter Pan, Wish tenta se sustentar, principalmente, em uma sequência de easter-eggs.

As múltiplas referências funcionam, claro, como uma saudação ao público que acompanhou tantas histórias ao longo de toda a vida. Durante estes 100 anos, a Disney teve presença efetiva na vida de muitas pessoas de maneira quase sempre consistente. Se temos franquias da cultura pop que fizeram parte do crescimento de uma parcela da audiência, a casa do Mickey vai além ao atravessar gerações e se comunicar com crianças, adolescentes e adultos de todas as idades. É lindo e nostálgico ver personagens e histórias sendo referenciadas, mas não faz sentido sustentar um filme apenas neste recurso.

O poder dos desejos

Conhecer Asha, sua família, amigos e entender a sua vontade em salvar o Reino Mágico de Rosas é uma das partes mais interessantes de Wish - O Poder dos Desejos. Sem necessidade de um par romântico, a personagem se destaca por sua jovialidade, autoconhecimento e desejo implacável de justiça - mesmo que isso signifique sacrificar a si mesma para ver todos bem.

As características descritas, vinculadas à protagonistas, correspondem ao estilo Disney de contar história. Ao lado do Rei Magnífico, ela se desdobra como um dos pontos altos do filme. Apesar da tentativa de homenagear e fazer jus ao legado do estúdio sobrepor a história principal, culminando em um filme corrido, trata-se de uma narrativa envolta de magia e encanto. Os personagens que orbitam o enredo, com destaque aos melhores amigos da heroína e da Estrela, que mesmo sem falas tem um ótimo timing cômico, provavelmente serão lembrados não por quem são, mas por quem fazem referência.

Perde-se a oportunidade de mergulhar fundo nos mais variados simbolismos e significados sobre a origem e a busca pelos nossos desejos, mas seria injusto dizer que, “quando você faz um desejo a uma estrela”, as lágrimas não irão brotar como rios, principalmente se quem está em frente à tela aprendeu a sonhar com este universo mágico criado por Walt Disney.