Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Maria e João: O Conto das Bruxas

Troca de protagonismo que se sustenta

por Barbara Demerov

Optar por uma nova versão de um conto de clássico da literatura, João e Maria, poderia ser um tiro no pé devido à extensão da fama desta narrativa. Todo mundo conhece a história, mas em Maria e João uma inversão que se justifica muito bem desde o princípio, não se limitando somente à mudança do título. Ao dar espaço para Maria, inclusive com poderes sobrenaturais, o filme adentra uma atmosfera ainda mais sombria do que aquela que sempre foi encontrada na casa da bruxa que atrai crianças para sua casa a fim de transformá-las em refeição.

O diretor Oz Perkins (filho de Anthony Perkins) revitaliza o conto dando espaço à personagem de Sophia Lillis de uma forma inesperada, mas não menos orgânica. É dela que vem a necessidade de percorrer a floresta sombria com seu irmão, pois a mãe, viúva, exige de Maria responsabilidades precoces e extremamente incômodas (como a de trabalhar na casa de um homem mais velho que apenas a vê como brinquedo sexual). São poucas as cenas que demonstram a dificuldade enfrentada por uma menina que busca se conhecer melhor como qualquer outra, mas tudo é bem delineado de modo a deixar clara as possíveis ramificações da jornada da protagonista.

Para garantir o clima de tensão e mistério, que quase nunca saem da tela, Perkins conta com o notável trabalho do diretor de fotografia Galo Olivares. Não que o roteiro não seja bom o suficiente, mas o que mais se destaca em Maria e João é justamente o visual impecável. Os ambientes de cores frias - seja na casa ou na floresta - e as formas triangulares que cercam o local escuro se unem à planos diferenciados, incluindo o uso de câmera grande angular e planos subjetivos que fortalecem as descobertas de Maria acerca da senhora que acolheu ela e seu irmão.

Curiosamente, é na extensão do conto que estão os elementos mais fantasiosos do filme. Maria e João vai inserindo as informações aos poucos ao espectador, apesar de nada ali ser exatamente tão abrupto. O olhar é sempre o da protagonista, o que facilita a imersão por estarmos acompanhando as viradas narrativa ao mesmo tempo que Maria. Assim, com a magia e os horizontes providenciados por Holda (Alice Krige), a menina finalmente conhece a sensação de pertencimento.

Tal sensação e os desdobramentos que isso acarreta formam o verdadeiro ponto de virada do longa. Afinal, para se tornar um indivíduo livre mental e fisicamente, é preciso tomar algumas atitudes que, mesmo não sendo nada fáceis, podem ser essenciais para evoluir. Maria e João traz questionamentos sobre o papel da mulher na sociedade e os contrastes existentes em irmãos que se amam (uma se conecta com árvores e outro que comemora a queda delas com o machado) no formato de fábula, narrada em primeira pessoa e com uma identidade visual primorosa para acompanhar.