Críticas AdoroCinema
1,0
Muito ruim
Sobibor

Violência gratuita

por Renato Furtado

Via de regra, todo filme de guerra que pretende denunciar os horrores de um determinado conflito bélico acaba exaltando e glorificando, paradoxalmente, certos aspectos das guerras em si, particularmente em suas cenas de ação. Aquelas que escapam das armadilhas nas quais longas aclamados — Apocalypse Now e O Resgate do Soldado Ryan, entre outros — caíram são, geralmente, as obras que se debruçam sobre as humanidades em jogo, tais como Filho de Saul e o monumental documentário Shoah. De qualquer modo, seguir tal corrente não é garantia de êxito, hipótese comprovada pelo problemático Sobibor.

Dirigido e protagonizado por Konstantin Khabenskiy, colaborador de longa data do cineasta Timur Bekmambetov (O Procurado), o representante russo no Oscar edição 2019 parte da história real de heroísmo de Alexander Pechersky, tenente do Exército Vermelho que liderou uma fuga em massa do campo de extermínio de Sobibor, na Polônia, para constituir uma narrativa puramente baseada na violência gratuita — em menos de dez minutos de projeção, por exemplo, 99% do elenco feminino é eliminado, em uma cena que explora a nudez feminina e o terror das mortes provocadas pelas câmaras de gás nazistas.

Independe, aqui, se Sobibor retrata fielmente acontecimentos e brutalidades perpetradas pelas tropas hitleristas ou não: o que é importante observar é como o horror é manejado no cinema pois as imagens, particularmente em uma sociedade onde os registros imagéticos e audiovisuais constituem as principais fontes de formação e informação, precisam ser arquitetadas com responsabilidade e respeito. Khabenskiy, por sua vez, não faz nem um, nem outro: quando busca resgatar atrocidades, as potencializa com um prazer macabro pelo choque e pelo sangue; e quando busca o heroísmo do protagonista, resulta vazio.

Em outras palavras, como se não bastasse o evidente peso visual da narrativa, para além da crueza de seu conteúdo, este drama de guerra russo ainda dobra a aposta ao deslocar o significado para estofar esta história de sobrevivência com um recheio exageradamente maniqueísta. Em sua estreia como realizador, o ator que comanda Sobibor prefere a simplificação à compreensão. Não se trata, é claro, de suavizar a reprimenda sobre os atos infernais cometidos pelos nazistas, mas sim de analisar um período histórico com lentes devidamente críticas, arrancando, de fato, o mal pela raiz e não podando-o pelo alto e toscamente.

Um dos principais soldados nazistas, por exemplo, é pintado como um brutamontes absurdo e todos os personagens, sem exceção, derramam-se em monólogos ocasionais onde contam, seja para amigos ou inimigos, histórias de seus passados e/ou metralham frases de efeito, fator que só amplia a sensação de esgotamento que a condução de Khabenskiy transmite. De certo modo, assistir à Sobibor é como assistir a qualquer noticiário contemporâneo, no qual somos inundados pela banalização da violência que, ao invés de nos fazer passar à ação, aumenta nosso estupor e nossa indiferença frente ao que é visto.

A performance de um perdido Christophe Lambert é emblemática, funcionando como uma concretização em tela da reação da plateia à obra: assim como o ator franco-estadunidense, famoso por seus papéis em produções como Mortal Kombat e Highlander, que parece ter caído de paraquedas neste projeto, frequentemente encontramo-nos com uma expressão anestesiada, improvavelmente neutra e muito silenciosa. Pouca coisa é, de fato, tocante ou emocionante em Sobibor, e quando o filme suscita algo, com sua fotografia acinzentada e sua montagem suficiente, é somente uma espécie de rejeição.

E como experimentar o que nos é oferecido de outra forma quando todos os atores, sem exceção, desempenham um jogo cênico pobre, de onde irrompe um inequívoco esforço de atuar, ao invés de incorporar as vidas de seus personagens? Fica evidente, a todo momento, que estamos diante de atores representando papéis, e não de vidas ficcionais que desenrolam-se naturalmente, como teoricamente deveria funcionar um longa como este. E o que dizer das personagens femininas que só parecem existir como meros joguetes ou para serem executadas o mais rápido possível na concepção deste diretor?

Nem mesmo a inevitável escapada dos "heróis", liderados por Alexander (Khabenskiy) soa correta: tudo parece fora do lugar, especialmente porque antes da fuga em direção à liberdade dos protagonistas de Sobibor, o realizador faz questão de deleitar-se com alguns dos atos extremamente violentos que os prisioneiros dos nazistas tiveram que cometer para sobreviver e quebrar as barreiras e cercas do campo de extermínio. Não é de se admirar, enfim, que logo surja um plano próximo de uma cabeça estourada, com miolos espalhados pelo chão, e que um combate encerre-se com uma tesoura a perfurar um olho.

Em seu inesgotável compromisso em retratar as catástrofes cometidas em Sobibor, Khabenskiy enfraquece até mesmo o triunfo dos sobreviventes, finalizando o longa com um plano longo em câmera lenta, que poderia ser parodiado por sua dramaticidade prolongada e surreal — é um filme desenhado com descuido ético, apesar da produção evidentemente competente, que resgata figurinos de época e objetos de cena com a mais completa atenção aos detalhes. Em Sobibor, no fim das contas, não somos forçados a ser testemunhas do horror, mas sim de sua capitalização em forma de entretenimento. E isto, em si, é trágico.