Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
A Caminho de Casa

Sobre avalanches, amizades e lei de Murphy

por Renato Furtado

Os olhos tristes da cadela Bella (voz de Bryce Dallas Howard) contemplam os limites do quintal onde está confinada, em uma casa que não conhece, longe de seu lar, na gelada cidade de Denver, a mais de 600 km de distância. Mas quando ouve um comando específico — "vai para casa" —, a protagonista não tem dúvidas do que fazer: escalar um pequeno tobogã de plástico, cuidadosamente posto contra a cerca da casa, pular o pequeno muro de madeira e, enfim, correr livremente pelos campos do meio-oeste americano, na direção dos braços de seus donos, Lucas (Jonah Hauer-King) e sua mãe Terri (Ashley Judd).

Este é o primeiro grande ponto de virada de A Caminho de Casa, drama canino que parece conter, para dizer o mínimo, aproximadamente 10 ideias, totalmente desarmônicas entre si, de narrativas envolvendo cachorros que se perdem de seus humanos, e que acompanham a jornada dos animais de volta ao núcleo familiar. Estufado por inúmeras subtramas e confuso, o mais novo longa do roteirista W. Bruce Cameron, criador de Quatro Vidas de um Cachorro e Juntos Para Sempre, faz uso de todos os clichês possíveis e impossíveis para atingir emoções nada inéditas por meio de diálogos, cenas e situações requentados.

Impulsionado por uma trilha sonora didática e uma narração esquemática — fator este que não só destaca Bella negativamente de todos os outros animais, como também é genuinamente enfadonho, com a cachorra-protagonista indicando minuciosamente todos os passos que dá, deu e/ou pretende dar —, o longa é um amálgama malsucedido de obstáculos incongruentes, criados com o objetivo de separar Bella de Lucas. É evidente que o filme não existiria sem contratempos, e que ver um cachorro passar por provações nas telonas já é garantia de derreter os corações mais gelados, mas é tudo muito absurdo.

A despeito da utilização de uma lei verídica de Denver, que proíbe a circulação de pitbulls na maior cidade do Colorado, o restante dos impedimentos manejados por Cameron e pelo diretor Charles Martin Smith (Winter, o Golfinho) é de uma mais pura ordem surreal. Em sua verdadeira odisseia pelo interior dos Estados Unidos, Bella é atacada por lobos duas vezes, sobrevive a uma avalanche e ainda desenvolve uma relação maternal com um bebê puma computadorizado: o limite da licença poética da ficção em relação à realidade é o seu sucesso, e em A Caminho de Casa toda a jornada de Bella é muito falsa.

O problema, em si, não diz respeito ao material, mas à sua concretização. Se o longa fosse uma animação, por exemplo, o choque entre o que é possível e o que é imaginado não seria tão impactante: afinal, a técnica animada justifica a dissociação de eventos da realidade em relação à ficção exatamente por não guardar uma proximidade imagética e simbólica com o real. Por outro lado, este drama canino live-action prescinde de toda e qualquer conexão com a vida, em uma espécie de tentativa às avessas de provar a validade da lei de Murphy: tudo o que pode acontecer, acontece.

Toda a base da sequência de acontecimentos que expulsam Bella de Denver, aliás, também é igualmente ilógica. A cadela é levada para um canil por meio da insistência de um determinado policial, que parece ter como sua exclusiva missão caçar a personagem principal do longa — a obsessão do agente do controle de animais ainda é ligada a uma espécie de trama auxiliar baseada em questões imobiliárias, que apresenta um "vilão" que jamais volta a aparecer no longa. O que justifica as ações deste personagem, fixado por um só bicho em uma cidade de mais de 700 mil habitantes e área de 400 km quadrados?

A resposta é "nada", para além, é claro, das mais pura e simples vontade dos cineastas em transformar esta incongruência da trama, bem como todas as outras, em um desenvolvimento narrativo consistente e coeso. E como se o desenrolar dos eventos já não fosse problemático o bastante, Cameron e Smith ainda parecem tentar inserir um fundo político e social de caráter alegórico à trajetória de Bella, que é alvo de "racismo para cães", nas palavras de Olivia (Alexandra Shipp), no que soa como um ensaio de comentário acerca de algumas das questões humanas contemporâneas, como a segregação de etnias marginalizadas.

A questão, entretanto, é que A Caminho de Casa nunca demonstra substanciação dramática o suficiente para fundamentar esta empreitada metafórica, partindo do pressuposto que era realmente esta a intenção dos realizadores. É fato consumado — como provam longas caninos como Ilha dos Cachorros e outras histórias baseadas na Antropomorfização de bichos, tais como "A Revolução dos Bichos" (ed. Companhia das Letras), de George Orwell, ou Uma Grande Aventura —, que os animais podem, de fato, simbolizar aspectos da condição humana, como sempre fizeram as fábulas, historicamente protagonizadas por bichos.

A Caminho de Casa, contudo, não decide por qual seara deseja caminhar. Não sabe se quer ser crítico e inteligente, ou se está feliz em contentar-se apenas como veículo para manipular nossas emoções. Isso, no fim das contas, faz com que o filme expanda-se para todas as direções sem conseguir, em um momento sequer, atingir um bom resultado nas diversas estradas que percorre. Como sua protagonista, o longa resulta inteiramente perdido, prejudicado por sua fragilidade e eternamente dependente do olhar terno e sentimental da cadela no centro da trama, a única coisa realmente verdadeira deste projeto.