Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Era Uma Vez um Sonho

Uma emocionante história sem emoção

por Katiúscia Vianna

Para a temporada de premiações 2020/21, a Netflix tem uma série de possíveis concorrentes para o Oscar. Os 7 de Chicago, Destacamento BloodMankA Voz Suprema do Blues, Pieces of a Woman, Malcolm & Marie são alguns deles. Querendo se juntar a essa lista, surge Era uma Vez um Sonho, drama que traz nomes queridinhos (porém injustiçados) da Academia: Amy Adams e Glenn Close.

Adaptação do livro Hillbilly Elegy, a história acompanha J.D. Vance (Gabriel Basso), jovem estudante de direito em Yale, que precisa voltar para a cidade natal em Ohio, quando a mãe, Bev (Adams), tem uma overdose de heroína. Ao mesmo tempo, ele relembra momentos de sua infância e adolescência — principalmente a conexão forte com sua vó, Mamaw (Close).

Era uma Vez um Sonho entra na corrida pelo Oscar

Existem filmes que nos causam emoções fortes, como chorar copiosamente, gargalhar ou ter medo de entrar num quarto escuro após a sessão. Existem até os filmes que nos causam ódio, seja pela trama ou qualidade ruim mesmo. E existem os filmes previsíveis, que beiram à superfície do que realmente pretendiam contar para o mundo. Infelizmente, Era uma Vez um Sonho se encaixa nessa última categoria.

Claramente, o objetivo do longa é conseguir uma vaga no Oscar, então capricha nas cenas de efeito para tentar conquistar o espectador. Então, é uma sucessão de sequências de Amy Adams se esgoelando com cabelo despenteado em busca da estatueta, enquanto Glenn Close (com uma maquiagem surreal) tem frases impactantes e politicamente incorretas para dar suas lições de moral. A entrega das atrizes é louvável, principalmente da intérprete de Mamaw, que consegue trazer emoção verdadeira sem cair no estereótipo.

O problema não é ter essas cenas, mas sim elas serem o foco do filme. O diretor Ron Howard não demonstra interesse em aprofundar os relacionamentos estabelecidos em tela, mais preocupado em conduzir seus atores em situações clichês, sem inserir um toque de personalidade para fazer tal história se distinguir dentre tantos outros dramas que existem por aí. E você sabe que há algo errado num filme quando a personagem que deveria ser louca e imprevisível faz exatamente aquilo que a gente acredita que irá acontecer.

O filme de Ron Howard peca em seu roteiro e direção

Ao mesmo tempo, o roteiro de Vanessa Taylor (A Forma da Água) não ajuda, pois prefere insistir numa jornada individual, ignorando qualquer aspecto social daquela comunidade norte-americana. Mamaw engravidou com apenas 13 anos e abandonou Kentucky para morar em Ohio. Por quê? Nunca saberemos. Mas esse fato se torna essencial na criação de Bev e, consequentemente, na vida de J.D. Essa informação apenas é jogada na tela, dando a desculpa de ser uma história de fundo. Só que não é. Temos breves vislumbres de como foram as vidas da mãe e avó do protagonista, mas é apenas a jornada dele que importa. Até mesmo sua irmã, Lindsay (Haley Bennett, pouco aproveitada), fica como figurante de luxo, apesar de viver a mesma situação.

Uma coisa é dar destaque para um protagonista, outra coisa completamente diferente é ignorar tudo o que está ao redor. Não somos indivíduos soltos na sociedade -— nossa vontade influencia, é claro, mas somos afetados pelo mundo que nos cerca, e precisamos contabilizar isso na balança. Para um filme que se apresenta tanto como a história de um homem marcado por essas duas mulheres, é meio absurdo perceber que elas não têm o desenvolvimento que merecem.

De modo geral, é um filme que pode comover alguns (justamente pelas cenas chamativas), mas não entrega nada de surpreendente ou extraordinário, apesar de ter um elenco competente. Será o suficiente para conquistar um Oscar? A performance de Glenn Close pode colocá-la na disputa, e nunca se deve ignorar a presença de Amy Adams. Mas é preciso saber se o longa vai manter sua força por meses, principalmente numa campanha ofuscada por outros projetos do mesmo catálogo. Oras, Green Book ganhou, então tudo é possível.