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    Diário de Brasília: entrevista com Simone Spoladore e Lúcia Murat

    Atriz e diretora de A Memória que me Contam falam sobre o longa-metragem e suas carreiras.

    por Francisco Russo

    A quarta-feira foi marcada pela política no Festival de Brasília. Não pela presença de deputados, ministros ou senadores, mas pelo tema abordado pelos dois longa-metragens exibidos. Após a consagração popular do documentário Kátia, que aborda a vida do primeiro travesti eleito para um cargo público no país, chegou a vez da diretora Lucia Murat e sua equipe apresentarem A Memória que Me Contam. Em pauta estava a aflição de uma geração que lutou contra a ditadura militar, até chegou ao poder mas ainda se sente incomodada em relação aos acontecimentos do passado. Um tema bastante pessoal que chegou a afligir a diretora, que não nega que se sentiu aliviada com a boa recepção do público. "Um trator passou por cima de mim", comentou.

    Lúcia Murat, Simone Spoladore e a equipe de A Memória que me Contam

    O AdoroCinema conversou com Lúcia Murat e a atriz Simone Spoladore sobre o longa-metragem e suas carreiras. O resultado deste bate-papo você confere logo abaixo.

    Dois filmes em um ano

    A Memória que me Contam surge apenas um ano após o filme anterior dirigido por Lúcia Murat, Uma Longa Viagem, ser exibido no Festival de Gramado. Questionada sobre o curto período entre os dois filmes, a diretora explicou como foi o processo de realizá-los. "Na verdade este filme começou muito antes, é que ficção é muito difícil levantar dinheiro. Eu escrevi este roteiro e dei entrada na Ancine em 2008, muito antes de Uma Longa Viagem. No meio do caminho ganhei um edital, então ele caiu de pára-quedas."

    Ficção ou realidade?

    Baseado nas memórias pessoais de Lúcia Murat acerca do falecimento da amiga Vera Sílvia Magalhães, o longa-metragem traz muito das angústias da própria diretora, que tem a atriz Irene Ravache como seu alter ego em cena. "A grande vantagem da ficção é que ela te libera para mentir à vontade", comenta a diretora. "O personagem é o que você quiser. No documentário você tem compromisso com os fatos, na ficção não, então pode construir o personagem como achar importante. É evidente que ele é inspirado em mim, como a Ana é inspirada na Vera Sílvia, mas com a liberdade que a ficção te dá."

    Lúcia ainda explica um dos melhores diálogos do filme, quando Irene, também diretora na história, comenta sobre o temor do envelhecimento por ter menos tempo para fazer novos filmes. "Aquilo na verdade tirei de um amigo meu, que é um cineasta muito conhecido. Acho que quando você chega em uma certa idade começa uma certa urgência mesmo."

    Com tantas referências pessoais, A Memória que me Contam resulta em uma grande exposição da própria diretora. Questionada sobre como lida com o assunto, ela respondeu: "É sempre muito difícil. Acho que no Uma Longa Viagem foi até mais, porque estava em primeira pessoa. Anteontem estava mais ou menos tranquila até a hora que começou, aí fiquei muito angustiada. Não é um filme qualquer, pois traz muito da minha vivência e da nossa geração. Ao mesmo tempo acho importante levantar certas questões. É difícil, mas se a gente não fizer isto quem vai fazer?"

    Como criar a personagem?

    Em A Memória que me Contam cabe a Simone Spoladore o papel de Ana, uma ex-guerrilheira cujos amigos da época da resistência se reúnem devido à gravidade de seu estado de saúde. Um papel complicado pelo fato de que ela jamais aparece como é no presente, apenas na lembrança dos colegas, o que faz com que cada um tenha uma visão particular sobre sua personalidade. Simone comentou sobre como foi criar esta personagem.

    "Quando fiz Vestido de Noiva tive preparação de elenco com a Camila Amado, que tinha estrelado a peça com o Ziembinski. Ele dizia que a única ação da Alaíde era respirar, porque estava morrendo. Isto se encaixa um pouco neste filme também. O que está acontecendo com esta personagem é que ela está em uma cama de hospital. Ela nunca está ligada ao real, está na cabeça deles e com uma imagem de 30 anos atrás, apesar de ter uma vivência de 60. E ainda por cima tem esta imagem do mito, simbólica mesmo. Tentei ter esta imagem idealizada sem deixar de trazer a emoção dela."

    Vera Sílvia Magalhães

    O longa-metragem é inspirado em uma história real ocorrida na época do falecimento de Vera Sílvia Magalhães, quando vários amigos da época do combate à ditadura se reuniram. "Vi entrevistas com a Vera, falando sobre a experiência dela, e li livros sobre o tema", contou Simone Spoladore, cuja personagem é baseada na própria Vera. "Vi também os outros filmes da Lúcia. Creio que foi muito pelo lado da imaginação e da poesia mesmo, foi como consegui criar esta personagem."

    Franco Nero

    Um dos destaques do filme é a presença de Franco Nero (foto), de Django e Comando 10 de Navarone. Lúcia Murat explicou como foi a contratação do ator. "Contratamos uma brasileira que ficou treinando português com o Franco Nero por dois meses antes das filmagens, já que ele não falava uma palavra da língua. Tinha um personagem, queria que fosse italiano mas não queria algo caricato. Achei que ele era um bom nome e, como tenho um bom tráfego no exterior, falei com um produtor italiano e perguntei se dava para segurar por um cachê simbólico, pois não tinha dinheiro. Tive como resposta que daria, se ele gostasse do roteiro. Mandei um e-mail e ele topou."

    Nova geração

    Uma das questões levantadas à diretora era como o público mais jovem receberia o filme, já que ele aborda situações sobre a geração que combateu a ditadura militar brasileira, hoje em torno dos 60 anos. "Alguns jovens vieram falar comigo anteontem bastante emocionados. Acho que jovens que tiveram algum contato com a ditadura tem uma relação forte com o filme. Mas ele fala também de perda, de conflito de geração. Não sei dizer como será esta relação, é algo que ainda estamos vendo."

    Carreira

    Apesar de ter apenas 31 anos, Simone Spoladore já acumula 14 filmes no currículo. A atriz fez um apanhado geral da carreira e destacou a importância de sua participação na novela Bela, a Feia, já encerrada.

    "Tenho trabalhos muito densos, que fiz muito jovem. Fiz Lavoura Arcaica com 18 ou 19 anos. Meus pais não têm a menor vivência deste meio, então fico descobrindo tudo sozinha. Foi uma carga emocional muito forte, que na época em que vivia não tinha consciência disto, mas que foi se acumulando. Teve um momento em que precisei parar para pensar. Então a novela Bela, a Feia foi um refresco para mim. Foi internamente muito importante, por descobrir que também posso fazer comédia e que uma coisa não exclui a outra."

    Apesar de ultimamente ter se dedicado mais à televisão - ela está no elenco da novela Balacobaco, da TV Record -, Simone não escondeu sua preferência. "O cinema é minha paixão, é o que bate mais forte. Mas gosto de fazer televisão, me divirto também."

    Futuro

    Além de A Memória que me Contam, Simone também está em Sudoeste, que tem lançamento comercial agendado para o mês de outubro. A atriz falou um pouco sobre como é seu processo de escolha dos filmes. "Tenho ficado um pouco mais exigente. Fiz muita coisa legal, acho que isto vai te dando uma maturidade, agora quero escolher personagem mas também quero escolher pelo roteiro. Mas poderia fazer um filme comercial também, não tenho preconceito nisso. É questão de surgir um convite."

    Simone também falou sobre seus próximos filmes, todos com filmagens ainda a ocorrer. "Tenho o filme da Flavia Castro, de Diário de uma Busca, que agora vai fazer ficção. Farei de novo uma guerrilheira, mas não é ação. Tem o novo filme do Eduardo Nunes, A Morte Feliz, e também o próximo da Helena Ignez, Nada com data marcada para ser lançado."

    Festivais e prêmios

    Tanto Lúcia Murat quanto Simone Spoladore são veteranas de festivais, já tendo várias premiações no currículo. Com A Memória que me Contam elas estão mais uma vez na disputa, agora no Festival de Brasília. "Às vezes eu me sinto como se estivesse em um internato, recebendo a medalha do ano. Você vê que a gente é tão infantil que precisa de medalha até o final", brincou a diretora.

    "É quase um abraço ganhar um prêmio, porque a gente trabalha tanto... É importante, fico super feliz. Mas é como diz meu namorado, prêmio é algo que você tem que ganhar e depois esquecer, pois é só aquela alegria momentânea e depois a vida continua", comentou Simone Spoladore.

    LEIA MAIS:

    Guia do Festival de Brasília 2012

    As imagens da exibição de A Memória que nos Contam no Teatro Nacional Cláudio Santoro, presentes nesta materia, são de autoria de Junior Aragão.

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