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    10 anos de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho: Marco do cinema LGBTQIAP+ brasileiro, filme de Daniel Ribeiro preserva doçura da descoberta
    Diego Souza Carlos
    Apaixonado por cultura pop, latinidades e karê, Diego ama as surpresas de Jordan Peele, Guillermo del Toro e Anna Muylaert. Entusiasta do MCU, se aventura em estudar e falar sobre cinema, TV e games.

    Disponível no streaming, longa nacional é baseado em curta-metragem lançado a 14 anos.

    O ano era 2014 e o sonho de um jovem cineasta brasileiro se concretizava na tela. Como acontece em grandes histórias da sétima arte, o alcance de certos objetivos às vezes é capaz de impactar muitas pessoas. De certa forma, foi exatamente o que aconteceu após o lançamento de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, longa que completou 10 anos no início de abril.

    Embora essa trajetória nos cinemas tenha sido responsável pelo reconhecimento nacional e internacional de Daniel Ribeiro e dos astros que trabalharam na obra, essa história começou quatro anos antes com o popular curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, dirigido e protagonizado pelos mesmos.

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    Com uma sinopse semelhante a do longa-metragem, o registro passou por alguns percalços após uma exibição em uma escola do Acre. Confundido com o Kit Anti-Homofobia, material didático do Ministério da Educação que teve a distribuição proibida, o projeto do Programa Cine Educação foi censurado por pressão religiosa. Mesmo assim, essa barreira não conteve a história posteriormente premiada no Brasil e no mundo, com destaques em festivais internacionais.

    Em 2012, através da conta oficial do curta, um anúncio confirmava a produção do longa que deveria expandir essa história. Anteriormente chamado de Todas as Coisas Mais Simples, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho ganhou os cinemas dois anos depois - e foi responsável por mudar a vida de inúmeras pessoas LGBTQIAP+ de muitas maneiras.

    A jornada de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

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    Diferente da falácia de que o cinema nacional é limitado, as produções audiovisuais do Brasil sempre foram versáteis em temáticas, estilos e gêneros. Embora o filme tenha sido uma porta de entrada para muitas pessoas às produções queer do país, este é um tipo de história que sempre permeou a sétima arte feita aqui.

    Contudo, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não apenas foi uma excelente adição ao patrimônio audiovisual brasileiro, mas sua condução também tem seu aspecto pioneiro na indústria, principalmente em termos de abordagem e estrutura. Essa ideia vem justamente do subgênero em que o longa se encontra: trata-se de uma trama LGBT infanto-juvenil, algo escasso na vasta gama de produções nacionais.

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    O fato de trazer um coming of age queer fez com que a juventude de muitas pessoas da comunidade LGBTQIAP+ ganhasse novos ares através do cinema. Um filme como este é transformador, pois muda a dinâmica da falta de representatividade, mexe com engrenagens estabelecidas há muito tempo pelo status quo e colabora com o amadurecimento e a compreensão de pessoas de grupos minoritários, assim como naturaliza e cria um imaginário positivo sobre, neste caso, relacionamentos homoafetivos.

    Exibido pela primeira vez na Mostra Panorama do Festival de Berlim em 2014, o longa recebeu o prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema ao ser eleito o melhor projeto da seleção. Ainda ganhou o prêmio Teddy, honraria dedicada a obras LGBT, nesta edição. Após chegar ao circuito comercial, Hoje eu Quero Voltar Sozinho conquistou 1,2 milhão de reais durante sua exibição nos cinemas.

    Desde então, o Brasil produziu ótimas narrativas audiovisuais que apresentam a pluralidade da vivência de pessoas LGBTQIAP+. Nestes 10 anos, o público assistiu filmes como Bixa Travesty, Vento Seco, Quem Tem Medo?, Corpolítica, Corpo Elétrico, Mãe Só Há Uma, As Boas Maneiras, Sócrates, entre muitos outros.

    Revisitando Hoje Eu Quero Voltar Sozinho após 10 anos

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    Nestes dez anos de existência, o longa de Daniel Ribeiro seguiu sendo lembrado e mencionado como uma das grandes obras do cinema queer nacional. Ao rever o filme é possível notar que, acima de tudo, o projeto se firma na doçura dos personagens, mesmo sob circunstâncias extremas, e na sutileza da direção do realizador. Inclusive, esse cuidado está na forma como deficiência visual de Leonardo (Ghilherme Lobo) é abordada, do modo como lida com o mundo à maneira como as pessoas interagem com ele.

    Essa experiência, inclusive, cria paralelos com uma discussão recente sobre uma produção britânica que tem ares semelhantes a Hoje Eu Quero Voltar Sozinho: Heartstopper. Com sua segunda temporada, a série foi criticada por uma suposta versão inverossímil da vida de adolescentes LGBTQIAP+ pela omissão de algumas descobertas comuns ao período.

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    Curiosamente, tanto o diretor brasileiro quanto Alice Oseman escolhem por focar no amadurecimento destes jovens a partir de outros aspectos que não sejam necessariamente o sexo - ainda que o filme nacional tenha diversos momentos de despertar sexual envolvidos. Mas a relação se deve justamente pelo fato de que existem milhares de maneiras de crescer - e nesse caso, Leonardo e Gabriel (Fábio Audi) descobrem o amor de acordo com a dinâmica de suas próprias realidades. É o start do romance.

    Além desse aspecto, enquanto coloca em foco a gradual construção das relações afetivas - não apenas românticas -, o diretor estabelece uma narrativa que foge de um cinema que entrega personagens gays a destinos devastadores. É óbvio que o drama faz parte da rica cinematografia queer, mas um filme como este, em 2014, optou por apresentar uma versão otimista de como adolescentes gays podem superar adversidades.

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    Ao longo dos últimos anos, o filme recebeu olhares revisionistas pelo recorte escolhido. Trata-se de uma história de dois jovens brancos de classe média vivendo em um mundo que ameniza certos traços da realidade que pode ser rude e até mesmo fatal com minorias. Ainda que não seja perfeito, essa é uma história responsável por impulsionar reflexões em todos que tiveram acesso à narrativa, inclusive aqueles não se sentiram representadas ou não fazem parte da vivência abordada.

    Os últimos10 anos foram importantes para o estabelecimento de diversos avanços sociais. Este é um filme que, para a época, teve toques disruptivos muito importantes tanto para o cinema nacional quanto para uma audiência em desenvolvimento. Neste ponto, é interessante notar como as discussões sobre a presença de pessoas PCD e temas raciais nas telas seguiram o lançamento do longa. Conversas importantes para o avanço da inclusão no audiovisual.

    Mesmo através da simplicidade, o longa não esconde o bullying, a homofobia, o machismo e outras adversidades que jovens como os protagonistas passam durante o Ensino Médio. As questões comuns a esta fase também estão lá, como a irritação com os pais, a busca pela independência, as más escolhas e até o primeiro contato com álcool. O que torna Hoje Eu Quero Voltar Sozinho cativante, além da junção de tantos elementos, é conseguir se dedicar a diferentes camadas destes personagens no tempo certo - tanto diegético quanto fora das telas.

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    Em breve, os fãs de Daniel Ribeiro poderão assistir ao seu novo projeto, 13 Sentimentos, que chega aos cinemas em 13 de junho. Já Hoje Eu Quero Voltar Sozinho está disponível no catálogo da Netflix e do Telecine.

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